Aspectos marcantes de Isaque e Jacó

Aspectos marcantes de Isaque e Jacó

Isaque é o típico personagem bíblico que carrega em si um contínuo dilema: é bendito – nascido debaixo de e como fruto de milagre (Gênesis 21.6), e cheio de promessas em sua vida (Gênesis 17.17-19) – todavia ainda assim absolutamente humano. Dito de outra forma, toda a bênção divina sobre a vida do filho de Abraão não o diviniza ou o torna imune ao fracasso: ele ainda estava sujeito a muitos percalços e tentações na vida (Tiago 5.17), tal como cada um de nós que, mesmo tendo nascido novamente, precisamos continuamente viver em vigilância para não cedermos diante das seduções do mundo (Mateus 13.22).

A história de Isaque pode ser narrada sob algumas chaves de leitura específicas. Por exemplo, podemos contar a história dele em total paralelo com a história de seu pai Abraão: ele era casado com uma mulher estéril (Gênesis 11.30; 16.2; 25.21); teve que peregrinar em razão da fome onde vivia (12.10,11; 26.1); precisou mentir sobre o relacionamento com a própria esposa para tentar evitar ser assassinado (12.12-20; 20.1-13; 26.7); fez acordos com o rei Abimeleque (21.22-34; 26.26-31); vive problemas familiares em razão da astúcia (16.1-16; 26.6-29); testemunha a fragmentação de seu lar em razão da impossibilidade de seus dois filhos viverem juntos (21.14-21; 27.41-45); enviou seu filho à terra de sua parentela para que não casasse com mulheres de outras culturas (24.1-3; 28.2). Por fim, mas não menos importante, deve-se destacar que, assim como Abraão, Isaque recebeu promessas de crescimento e prosperidade para sua descendência (26.3) e também abençoou seu filho Jacó com uma promessa de multiplicação e crescimento (27.28,29). Esse tipo de paralelismo narrativo pode ser entendido como uma forma de ficar indubitavelmente evidente ao leitor que há uma clara e indissociável ligação entre os personagens. Ainda que Abraão seja o pai de todos, e legítimo herdeiro das promessas divinas, os seus descendentes – neste caso Isaque – também são reconhecidos como portadores da bênção divina.

Outra possibilidade de ler a história de Isaque é a partir dos dilemas familiares. Ele não apenas nasceu numa família atípica – com pais extremamente idosos (17.17; 21.5) e no meio de um conflito conjugal (21.9,10) – mas também constituiu uma família não comum para os padrões do mundo antigo. Se pensarmos no grande risco de morte que uma mulher enfrentava no momento do parto em uma sociedade em que não havia todo o aparato hospitalar de hoje, tal condição torna-se ainda mais dramática quando imaginamos o nascimento de gêmeos, como foi o caso de Esaú e Jacó, raríssimo em toda a Escritura (25.24). Além disso, o fato de Isaque ser o único patriarca marido de uma só mulher salta aos olhos. A justificativa para tal acontecimento pode se sustentar no fato do casamento com Rebeca ser um processo absolutamente guiado por Deus em todos os detalhes. Tudo o que envolveu Isaque e Rebeca – com relação ao casamento deles – foi resposta de oração e obediência (24.1-67). Como todos nós sabemos, o relacionamento desses personagens bíblicos não foi isento de crises, todavia a fidelidade é uma característica destacável da história desse casal. Não podemos esquecer que a divisão familiar – Isaque amar mais Esaú e Rebeca amar mais Jacó (25.28) – gerou muitos dissabores àquela casa (27.6-29). Se há um aprendizado fundamental que podemos extrair desse comportamento de Isaque e Rebeca é que aos pais cabe o esforço de aplicar em suas relações familiares o princípio do amor incondicional. Isto é, nosso dever, como responsáveis pela criação de nossas filhas e filhos, é prover o máximo de condições possíveis para que cada um possa desenvolver-se o melhor possível, conforme as escolhas e decisões individuais que fizerem. Todas as vezes que nos inclinamos a superproteger ou isentar de responsabilidade um filho, estamos colaborando diretamente para a ruína e destruição dele (Hebreus 12.6). O amar sempre implica tratar com justiça.

Jacó é um personagem tão complexo quanto importante nas Escrituras, basta lembrar que ele carrega o nome pelo qual o povo de Deus será nomeado pelos milênios à frente: Israel (Gênesis 32.28). Diante da riqueza deste patriarca, faz-se necessária a escolha de uma estratégia de apresentação de sua trajetória. Para uma visão panorâmica como nos propomos aqui, optamos por avaliar a vida de Jacó a partir da ideia das reviravoltas, das mudanças radicais e repentinas de rotas, das impressionantes transformações que o filho de Isaque passou. 

A vida nunca foi fácil para Jacó, sua história é contada como se ele estivesse o tempo todo a um passo do milagre, mas também do fracasso. Seu nascimento é miraculoso – uma mulher estéril engravida e dá à luz gêmeos (25.21) – e é simplesmente impossível pensar numa prova mais eloquente da bênção divina; todavia, por uma questão de segundos, Jacó não é o primogênito (25.26), e como saberia com clareza um homem do mundo antigo, isso faria total diferença no futuro de uma pessoa (Êxodo 13.1,2; Números 3.13; Deuteronômio 21.17). Mas, como sabemos, anos depois, numa negociação obscura (25.29-34), na qual a leviandade de Esaú revela-se (Hebreus 12.16), a primogenitura é repassada ao segundo filho de Isaque e inicia-se o cumprimento da profecia que foi anunciada a Rebeca (25.23). Todavia, Jacó é um primogênito deserdado (27.28,29), que precisa fugir para não cair em desgraça (27.41-44).

Nas terras de Labão (29.14), Jacó está muito próximo de cumprir a orientação de seus pais em relação à escolha de sua esposa, porém aquilo que parece tão perto rapidamente desestrutura-se com a astúcia de Labão, pois, ao invés de trabalhar pelo amor de uma esposa, Jacó é obrigado a permanecer trabalhando o dobro do tempo para casar-se com as duas filhas do seu tio-avô (29.15-30). Depois de ter conquistado o direito de casar com Raquel, Jacó angustia-se com o fato desta ser estéril (30.1-2). A mulher do patriarca repete a estratégia errônea da avó daquele e, mais uma vez, os conflitos familiares aparecem, até que as promessas de Deus são mais uma vez cumpridas (30.22; 35.18). Consciente da visitação do Eterno em sua vida, Jacó discerne que é tempo de retornar para casa (31.3), porém mais um revés acontece e Labão procura impedir sua saída (30.27). Mas, mesmo cumprido todo acordo, Jacó ainda precisa fugir para seguir o seu regresso (31.20,21). No resumo dramático da vida de Jacó debaixo das ordens de Labão, lemos como foram difíceis aqueles 20 anos de servidão (31.38-42).

Quando então Jacó toma o caminho de volta, mais uma reviravolta acontece. Chega a notícia de que Esaú vem a caminho, e a marcha não parece ser de um comitê de boas-vindas, mas de um exército para o conflito (32.6). Nesse momento, o primogênito de Isaque abre mão de tudo o que tem (32.7,8; 13-21) e busca reencontrar quem Deus o fez ser (32.27-30). O resultado não poderia ser outro: uma maravilhosa reconciliação (33.4-15).

Por fim, Israel ainda vê muita violência na sua casa – uma filha sendo violentada (34.1); filhos sendo assassinos (34.25-31); filhos invejosos tentando assassinar e vendendo o próprio irmão (37.12-28). Porém, aquele que era tido como morto torna-se o motivo da felicidade e refrigério para a vida de Jacó (46.28-34).

por Thiago Brazil

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