O Senhor Deus pode ou não ser visto pelos seres humanos?

O Senhor Deus pode ou não ser visto pelos seres humanos?

Como explicar Êxodo 24.10 e 11, onde o escritor afirma que os circunstantes viram Deus, considerando que em Êxodo 33.20 o próprio Criador afirma que ninguém pode vê-lO sem ser consumido?

O texto de Êxodo 24.9-11 informa que Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e setenta anciãos de Israel “viram” o Senhor Deus. Como explicar essa afirmação à luz de outra passagem, a de Êxodo 33.20, que dá conta de que ninguém pode ver a face de Deus e permanecer vivo? Antes de procurarmos resposta, podemos reafirmar que não há contradições na Bíblia Sagrada. Certamente esse texto pode ser entendido à luz do estudo do vocábulo “ver” e em seguida analisando-o dentro do contexto do seu uso na passagem.

O verbo hebraico utilizado em Êxodo 24.10,11 é raah, que significa “ver”. Esse verbo pode denotar o sentido literal de percepção com 15 olhos, isto é, pode significar olhar, ver, perceber e observar com os olhos, mas também pode significar que alguém se tornou mentalmente atento a algo, deu-se conta de algo ou tomou consciência de algo. Nesse último caso, o verbo refere-se à percepção por meio de outros sentidos, significando entender ou escutar. Assim, quando o texto diz que eles viram a Deus, isso pode significar que eles tiveram a percepção por outros sentidos da nítida presença de Deus naquele lugar. Além disso, esse verbo pode, em alguns casos, representar uma expressão idiomática. Ver alguém pode ser interpretado como encontrar alguém, como em 2 Samuel 3.13, em que o rei Davi exige que o general Abner, quando lhe visse rosto, lhe restituísse a esposa Mical. Provavelmente um texto que apoiaria melhor essa ideia seja Isaías 6.1. Nessa perícope, somos informados que o profeta viu o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono. Porém, embora o texto diga que Isaías “viu”, ele não procura descrever as peculiaridades da face do Senhor. O texto também não diz que o profeta queria ver a face do Altíssimo. Observe que ele faz outras observações, tais como as vestes e os serafins. Certamente, podemos entender o “ver” como significando um encontro que Isaías teve com Deus no ano em que morreu o rei Uzias.

Além disso, quando olhamos para um contexto mais amplo de Êxodo 24.10 e 11, identificamos que o texto não procura descrever aspectos da face de Deus, mas foca no estrado ou pavimentação de safira que eles contemplaram (essa era a ênfase). Essa pavimentação tinha um aspecto glorioso semelhante ao céu na sua claridade.

Quando Moisés pede para ver a glória de Deus, teve como resposta que isto seria impossível, uma vez que “homem nenhum verá a minha face e viverá” (Êxodo 33.20). A palavra “face” aqui deve ser interpretada literalmente, diferente de Êxodo 33.11, onde se lê que o Senhor falava com Moisés face a face. O libertador de Israel já desfrutava da presença divina assegurada pelo próprio Deus (Êxodo 33.14). O seu desejo não era ter uma experiência pessoal com o Criador, uma vez que existia um relacionamento pessoal e contínuo dele com YHWH. Moisés queria ver com os olhos humanos a face e a glória de Deus. Esse desejo de Moisés equivale a dizer que ele queria observar o divino como Ele é na Sua essência. Isso seria impossível de ser realizado, pois o ser humano não poderia contemplar com os olhos físicos a face de Deus e permanecer vivo.

Assim sendo, esse aparente conflito entre os dois textos pode ser resumido e esclarecido da seguinte forma: quando Êxodo 24.10 e 11 informa que homens viram a Deus, estaria se referindo a uma percepção clara da presença divina naquele lugar (Além do que, o máximo que teriam visto de fato foi um estrado ou pavimentação de safira). Por outro lado, quando Moisés quis ver a face de Deus, não era o desejo ou percepção da Sua presença que ele queria ter, mas sim ver literalmente a face de Deus.

por Cidrac Ferreira Fontes

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