Lançando luz sobre a “Teologia Preta”

Lançando luz sobre a “Teologia Preta”

Alvo mais que a Neve
, um dos hinos mais cantados nas Assembleias de Deus, foi composto como Blessed Be the Fountain (“Bendita Seja a Fonte”) por Eden Reeder Latta (1839-1915), um piedoso pregador norte-americano. Inspirando-se em Isaías 1.18, ele compôs esse cântico — mais conhecido como Whiter than Snow (“Mais Branco que a Neve”) — para um professor de música da Universidade de Iowa que organizava festivais e convenções em todos os Estados Unidos, Henry Southwick Perkins (1833-1914), o qual, após musicá-lo, inseriu-o no livro The River of Live (“O Rio da Vida”). A versão em língua portuguesa é de Henry Maxwell Wright (1849-1931), um português de família inglesa.

Recentemente, o cantor Kleber Lucas causou polêmica no meio evangélico ao sugerir, em um podcast com Caetano Veloso, que o mencionado hino é racista: “Tem um hino que fala o seguinte: ‘Alvo mais que a neve. Se você aceitar Jesus, você vai ficar branco como a neve’. Isso é cantado por brancos e negros com lágrimas, porque tem uma melodia lindíssima. Porque o discurso, às vezes nefasto, um discurso de dominação, está embalado, tem uma entrega muito boa de uma melodia linda, de uma memória familiar, de uma memória comunitária”. Muitos pastores e cantores evangélicos que se indignaram com essa fala talvez não tenham percebido que esse ex-cantor gospel não fez apenas uma crítica pontual, e sim referiu-se ao que chama de “teologia preta”, a qual defende em sua monografia (UFRJ, 2021).

No mesmo podcast, ele afirma que as “ideias de embranquecimento estão lá no hino. Então, há um distanciamento, há um caminho a ser percorrido, porque essa teologia preta está chegando no Brasil agora. Você vai ter James Connolly, você vai ter grandes nomes que vão propor a partir da década de 1960 uma teologia preta, que só chega no Brasil agora, porque os seminários abominavam esses livros, esses conteúdos de uma teologia preta, de pensar o sagrado não numa perspectiva eurocentrada. Então, por que que as igrejas têm isso aí, botam o nome de colonizadores, de dominadores, de homens da História que tinham escravos? Porque o que chegou aqui, a referência era isso. O que está havendo hoje são encontros, são fóruns, são encontros como este, que, eu tenho certeza, os negros de igreja, muitos deles que vão assistir a essa matéria vão falar: ‘cara, não sabia disso’”.

Kleber Lucas não cita James Connolly por acaso, pois este é um marxista irlandês e líder socialista revolucionário do início do século XX cujas ideias são usadas na defesa de Teologia da Libertação. Ele associava a fé evangélica ao capitalismo, o qual queria derrubar. A priori, é preciso ter em mente que a “teologia preta” é um braço do marxismo cultural. Seus proponentes são revisionistas que propõem uma releitura das Escrituras a partir de concepções marxistas e dividem a sociedade entre oprimidos e opressores. Para eles, a Bíblia precisa ser devolvida à sua origem social, a origem dos oprimidos, já que ela tem sido interpretada mediante lentes europeias.

Os defensores da proposta em questão põem a sua ideologia acima da Palavra de Deus e sugerem que os próprios tradutores da Bíblia escolheram palavras com a ideia de “branqueamento”, pelas quais enfatizam a supremacia branca. Eles ampliam a ideia marxista de luta de classes entre burgueses e proletariado, incentivando os crentes pobres a rebelar-se contra seus “colonizadores”. Essa teologia heterodoxa ataca de modo ferrenho o conservadorismo e afirma que o negro evangélico precisa se revoltar contra o “racismo estrutural”, o patriarcalismo e o acúmulo de riquezas prevalentes nas igrejas. Até os missionários que atuaram na origem das Assembleias de Deus no Brasil seriam os vilões nessa história!

Para os adeptos da “teologia preta”, qualquer indivíduo que exerça liderança é um opressor em potencial. Eles desprezam o que é ortodoxo, pois abraçaram os ideais do liberalismo teológico. Por isso, dizem que o evangelicalismo tradicional e histórico é ultraconservador e distanciado da verdadeira ética do Evangelho. Eles dizem, ainda, que Jesus foi um preso político, torturado e executado pelo Império Romano, mas ignoram que o Senhor não veio para defender posições políticas, e sim para morrer por nossos pecados (Lucas 19.10; João 10.17,18; 17.4,5; 19.30). Ademais, Ele nos ordena a sermos o sal da terra, o qual é conservador (Mateus 5.13), e conservarmos o que nos outorgou (Apocalipse 2.25; 3.10,11). 

A verdadeira interpretação das Escrituras é obtida, com a ajuda do Paráclito, quando respeitamos seu contexto e a intenção autoral. O método ortodoxo de interpretação — o histórico-gramatical (MHG) — parte do pressuposto de que a Bíblia é a Palavra de Deus, independentemente da condição social do leitor. Mas os adeptos da “teologia preta” criticam os que interpretam o texto sagrado dessa maneira e dizem que é o leitor quem deve determinar seu sentido. Nesse caso, dizem que a Bíblia não pode ser interpretada literalmente, sem contextualização e sem mediação. Por isso, querem atualizá-la (na verdade, desconstruí-la), para que possam torcer os textos que condenam o aborto, o pecado da homossexualidade e prescrevem o papel do homem como a cabeça da mulher (cf. Romanos 1.21-32; 1 Coríntios 11.3; Efésios 5.22-33).

Como parte dessa releitura pelas lentes do marxismo cultural, as Escrituras devem ser interpretadas a partir da especificidade da população negra. Para os proponentes da “teologia preta”, o racismo está presente em todas as nossas relações: na política, na economia, nos meios de comunicação, no Direito e até mesmo nas igrejas e dentro dos lares evangélicos. É preciso atualizar a Bíblia para combater o “racismo estrutural” e corrigir quase quatro séculos de escravidão. O objetivo é claro (e não escuro): desconstruir a cosmovisão judaico-cristã, já que para o marxismo — desde Karl Marx, em seu Manifesto Comunista, o qual apresenta sua verdadeira face anticristã — o cristianismo é um grande obstáculo a seus planos revolucionários.

A “teologia preta”, como braço do marxismo cultural, anda de mãos dadas com o elegebetismo e feminismo. Ela suaviza o aborto, bem como relativiza a heterossexualidade e os papéis que o Senhor estabeleceu para homens e mulheres, afirmando que o mais importante é a “ética do amor”. Ou seja, o que define a vontade de Deus é a afetividade, a lealdade, a fidelidade, o cuidado mútuo, o respeito, o que, segundo pensam, é muito mais profundo que heterossexualidade, masculinidade e feminilidade. Se há amor, há aprovação divina até mesmo para relações poligâmicas (“poliamor”)!

Diante do exposto, essa falsa teologia — que tem conquistado adeptos entre os que “aprendem um pouco aqui e um pouco ali”, mas não chegam “ao conhecimento da verdade” (2 Timóteo 3.7) — apresenta a proposta aparentemente verdadeira de que o Deus da Bíblia é o Deus dos oprimidos e dos marginalizados. Seus proponentes estariam certos se não considerassem oprimidos apenas aqueles que têm uma posição política à esquerda, pois os que se apresentam como conservadores não têm merecido respeito e são logo tratados como fascistas ou supremacistas. Fica claro (e não obscuro!) que a fala do mencionado cantor é um ataque consciente à ortodoxia teológica, e não apenas um pequeno desvio, visto que põe sua ideologia acima da Bíblia. Meu desejo é que ele “aprenda mais de Deus” na Sua Palavra e volte para o caminho da verdade (Salmos 1.1-3).

Referências

COSTA, Kleber Lucas. “Alvo Mais que a Neve”, uma comparação entre o discurso cristão batista e as ideias raciais no Brasil dos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. 1. ed. São Paulo: Montecristo Editora, 2012. Versão digital.

SOUZA, Egnaldo Hélio de. Marxismo Selvagem. 1. ed. São Paulo: Missão Atenas, 2018.

ZIBORDI, Ciro Sanches. Barnabé: o Pregador de Fé e Obras. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2019.

por Ciro Sanches Zibordi

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