Aquele Shabat de 1945 foi celebrado de forma especial pelos sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen. Cinco dias após deixarem o lugar de tormentos entoaram, como homens livres, um cântico que viria a tornar-se o Hino Nacional de Israel – HaTikvah, A Esperança. A canção, já conhecida pelos sionistas e cantada por uma multidão durante a cerimônia de assinatura da Declaração de Independência do Estado de Israel, em 1948, somente foi oficializada como hino nacional em novembro de 2002, pelo Knesset, o parlamento israelense, embora fosse adotado como hino do Movimento Sionista desde 1933 e cantado espontaneamente a partir de 1907 em manifestações variadas. “O músico e estudioso da liturgia judaica, Zwi Mayerowitch (1822-1945), afirma que a música foi composta pelo sefaradita Henry Busato, ou Russoto. Ele teria se inspirado na melodia usada em certas sinagogas do rito sefardi, quando se entoa o Salmo 117, durante o Halel. Mayerowitch afirmou que a música foi publicada em 1857, vinte anos antes que Smetana compusesse a “Sinfonia Boêmia”. A composição apareceu na obra “Melodias antigas para a liturgia dos judeus espanhóis e portugueses: Harmonizadas por Emanuel Aguilar” (“The Man Behind Hatikvah” publicado no livro “The Jewish People Almanac” compilado por David C Gross)”. Hino simples, composto de apenas duas estrofes, HaTikvah expressa o desejo de todo o povo judeu, jamais abandonado, de retornar à pátria ancestral. Uma demonstração dessa lembrança constante é que as comemorações anuais e as estações do ano são marcadas, para os filhos de Abraão espalhados pelas nações, segundo as estações de sua querida Eretz Israel. Para lá olham durante suas orações. Por aquela terra querida clamam. Declaram em todas as oportunidades que: ‘BaShaná HaBaa, b’Yerushalaim’, ou seja, ‘No ano que vêm, em Jerusalém’. Essa é a tônica da mensagem cantada: o anseio, nunca apagado, de retornar à sua terra. Já a mensagem escrita foi composta por Naftali Herz Imber, jovem judeu de apenas 22 anos, tomado de profunda emoção após receber a notícia da criação do primeiro assentamento judaico em Israel, Petach Tikvah (Portal da Esperança) em 1878. Recordando-se do livro do profeta Ezequiel, conforme as palavras acima citadas, procurou expressar os anseios daqueles que esperavam pelo cumprimento da promessa de Deus. O povo, expulso no ano 70 da Era Comum pelas tropas romanas do imperador Tito, ainda aguardava o tempo da dispersão findar. Imber viu, naquele primeiro assentamento, o início do prometido retorno.
Diante desses belos testemunhos de fé, recebemos com alegria a publicação das estatísticas oficiais do Ministério Israelense de Aliyá e Integração, constatando que 50.000 novos imigrantes chegaram a Israel apenas neste ano. A nota destaca-se em importância pelo fato de não haver dados semelhantes nos últimos 20 anos de história da nação e pelas dificuldades criadas tanto pela pandemia quanto pela propaganda e ações dificultando os esforços de Aliyá, especialmente as ameaças vindas de Moscou. Chris Chambers, em artigo publicado em 26 de setembro para o ‘site’ da Embaixada Internacional Cristã em Jerusalém, ofereceu detalhes sobre o levantamento feito a respeito dos novos ‘olim’: “Olhando mais de perto os dados oficiais, a maior parte desse aumento na imigração judaica para Israel este ano se deve à guerra Rússia-Ucrânia, já que cerca de 40.000 dos recém-chegados desde o final de fevereiro eram desses dois países. Entre janeiro e o final de agosto de 2022, 47% dos novos imigrantes eram da Rússia e 25% eram da Ucrânia. Enquanto os judeus que chegam da Rússia até agora tendem a ser famílias inteiras, os que chegam da Ucrânia são principalmente mães, crianças e idosos que fugiram da guerra, com homens em idade de combate obrigados a ficar e defender o país. Isso apresenta vários desafios ao fornecer o amor e o apoio necessários para ajudar cada um a se encaixar em sua nova vida em Israel e começar a contribuir para a sociedade”. Vale destacar que a Embaixada reúne esforços de cristãos evangélicos de todo o mundo, e vem realizando um excelente trabalho de cooperação com o governo israelense no sentido de receber e dar suporte aos novos imigrantes. Somente neste ano, mais de 3.000 pessoas foram assistidas por esse ministério, sendo mais de 1.000 ucranianos e 260 judeus da Etiópia. A ajuda varia desde os custos com transportes, alimentação, aprendizado, assistência médica, dentária e apoio geral à integração. Dos recém-chegados, 23% são crianças. Aos que resistem à ideia das ações de socorro prestadas por cristãos a Israel, notadamente com relação aos esforços para a recondução do povo à sua terra, lembramos o que nos diz o profeta Isaías: “Assim diz o Senhor Deus. Eis que Eu erguerei minha mão para os gentios e levantarei minha bandeira para os povos. E eles trarão teus filhos em seus braços e tuas filhas serão carregadas sobre seus ombros” (49.22). Dessa forma, participar desse mover é estar inserido no curso das profecias, no fluir do Espírito, como instrumentos de Sua vontade, como ferramentas ao Seu dispor.
A esperança expressa no Hino Nacional de Israel existe e foi declarada pelo profeta Jeremias (31.17): “Há esperança em seu futuro, diz o Senhor, de que seus filhos voltarão para sua própria fronteira”. Esperança cumprida gera alegria, mas não esconde desafios. A adaptação é difícil, a diferença linguística precisa ser enfrentada, existe a necessidade de aprender novos costumes, inserir-se no mercado de trabalho, nas escolas, na vida, enfim, numa terra que, mesmo almejada, é estranha. O medo é natural, muito embora não haja possibilidade de fazer o caminho de volta. Pessoalmente, acredito que algumas mulheres da Bíblia viveram situação semelhante diante da perspectiva do novo, e iniciaram a jornada ao desconhecido com uma canção. Refiro-me a Miriã e às mulheres que a seguiram com seus instrumentos musicais logo após a travessia do Mar Vermelho. Está claramente registrada a alegria da vitória contra o inimigo, mas, diante delas, apresentava-se uma jornada sem roteiro, para a qual não tinham qualquer experiência. Seu conhecimento dos labores e das rotinas da vida estava ligado às terras do Egito e à escravidão. Como seria a execução das tarefas diárias ou a criação de filhos no deserto? Como fariam as coisas mais simples ou as mais complexas? Como acolher, nutrir, aquecer, limpar, educar, celebrar, no ambiente do deserto? E, por quanto tempo isso se estenderia? Aquelas mulheres ainda não sabiam sobre o maná, sobre a água jorrando da rocha, sobre a constante presença da nuvem e da coluna de fogo. Nada sabiam sobre a Lei entregue nas terras áridas e desconheciam a Glória revelada ali. Mas, mesmo diante do desconhecido, cantaram. Miriã e suas companheiras ousaram cantar num momento que dividiu não apenas as águas do mar, mas separou o passado e o futuro, o antes e o depois. O cântico demarcou uma vitória no curso de uma vida que não se encerrava ali – o real desafio estava adiante, na jornada que ainda iria ser trilhada. Miriã cantou e contagiou outras mulheres. O canto dessa mulher trouxe outra vitória – a vitória daqueles que vencem o deserto antes mesmo de cruzá-lo, pela fé que depositam nAquele que, um dia, derrotou o inimigo e abriu passagem ao Seu povo, anunciando, assim, que não os desampararia em nenhuma circunstância. Não bastaria crer no Deus que derrotara o mal, era necessário crer que o Deus que agiu no passado continuaria agindo no futuro.
HaTikvah não se conclui no retorno de judeus à sua terra. O retorno é apenas o início da restauração pessoal de cada imigrante. Ser reintegrado à terra, ao povo, à língua, talvez à fé constitui tarefa trabalhosa e repleta de renúncias. Em todo caso, o desafio previsto orna-se da liberdade restaurada de ser povo – uma nação, uma terra, um Deus. Diante isso, bom é que a canção da esperança tenha se tornado em Hino Nacional. Fica assim estabelecida e institucionalizada a necessidade, senão a obrigatoriedade, de renovar no coração de cada israelense a esperança de quem está sendo guiado, carregado, instruído, nutrido e estabelecido pelo próprio Deus, renovação que permanecerá ocorrendo cada vez que soarem as notas da antiga melodia e as palavras do jovem Imber forem declaradas em tom profético.
Por Sara Alice Cavalcanti.
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