Quatro perguntas pentecostais em Atos 2

Quatro perguntas pentecostais em Atos 2

Era preciso que Jesus “subisse até o Pai” para que o Espírito Santo descesse sobre os apóstolos. Jesus já havia explicado esse mistério a Seus discípulos (João 16.7). Em Atos, Pedro diz no Dia de Pentecostes: “Exaltado assim pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou, como estais vendo e ouvindo” (Atos 3.33). Ao pé do Sinai, o povo também “vê e ouve” e recebe a Torá. No Cenáculo, a Igreja recebe o Espírito Santo, plena realização da Torá.(1) Nosso objetivo aqui é analisar as seguintes perguntas encontradas em Atos 2: a pergunta sociológica; a pergunta linguística; a pergunta hermenêutica; e a pergunta evangelística.

A pergunta sociológica – “E todos estavam maravilhados e admirados, e diziam uns aos outros: Todos estes que falam não são galileus?” (Atos 2.7).

Na época do Senhor Jesus, falavam-se sete variantes do aramaico ocidental. A variante mais relevante em Jerusalém e na Judeia era o aramaico judaico. Na região da Samaria, falava-se o aramaico samaritano. Na região onde regularmente andava Jesus, falava-se o aramaico galileu.(2) Ora, se aqueles homens “residiam” em Jerusalém (Atos 2.5), não entendiam o aramaico? Na verdade, eles estão admirados diante de um prodígio (Atos 2.7,8). A língua dos apóstolos torna-se universal, como a do céu (Salmos 19).(3)

Aos olhos dos judeus de Jerusalém, a Galileia era uma área de desenvolvimento atrasado da Palestina, habitada por gente inculta. Todavia, os galileus em questão comunicavam a verdade de Deus em diversas línguas. Esses estrangeiros representam as nações nas quais nasceram. Depois do cativeiro babilônico, nem todos os judeus retornaram à Palestina. Muitos permaneceram na Pérsia e na Mesopotâmia. Outros foram deportados da Babilônia para a Ásia Menor durante “os séculos 4º e 3º antes de Cristo. Ainda outros se fixaram no Egito, especialmente na cidade de Alexandria, ou rumaram para o Ocidente, para Roma. Os judeus residiam em toda parte do Império Romano, de leste a oeste, pois eram um povo disperso”.(4)

Esta pergunta, a sociológica, leva-nos a meditar também sobre as seguintes palavras de Paulo: “Considerai, pois, irmãos meus, também vosso chamado, porque não são muitos entre vós os sábios conforme a carne, nem muitos entre vós são poderosos, nem muitos entre vós são da nobreza, antes aos insensatos do mundo escolheu Deus para humilhar os sábios, e aos fracos do mundo escolheu para humilhar os poderosos, e escolheu aos de condição humilde no mundo, aos menosprezados, aos que nada são, para reduzir a nada os que são algo, para que ninguém se vanglorie diante dEle. E também vós pertenceis a Ele, em Jesus Cristo, quem foi feito para nós sabedoria de Deus, justiça, santificação e redenção, como está escrito: Quem se gloria, glorie-se em YHVH” (1 Coríntios 1.26-31).

O Evangelho de Jesus Cristo, pelo poder do Espírito Santo, tem o poder de unir as pessoas, de aproximá-las, de romper barreias econômicas, sociais, culturais étnicas (Efésios 2.11-18).

A pergunta linguística – “Como é que cada um de nós os escuta falar no nosso idioma nativo?” (Atos 2.8).

Devemos entender que, com fundamento nas descrições de Lucas sobre o que era falado no Dia de Pentecostes, estamos diante de um caso de xenoglossia – idiomas humanos reais, nunca antes aprendidos por aqueles que falavam. Percebemos que a palavra “língua” (glõssa) não pode ter seu significado facilmente reduzido à verbalização livre que não carrega conteúdo cognitivo. Lucas atesta que os ouvintes, no Dia de Pentecostes, perguntaram maravilhados como podiam ouvir pronunciamentos distintos (lit.) em seu próprio “dialeto”. O que ouviram não foi uma palavra aqui e outra ali, aparecendo acidentalmente em uma verborreia lexical, uma mera inevitabilidade estatística, mas sim “as grandezas de Deus” (Atos 2.11). Essas grandezas foram anunciadas em idiomas de grupos linguísticos reconhecidos (partos, medos, elamitas). Foge ao texto argumentar que esse foi um milagre da audição e não da fala.(5)

Os peregrinos vinham de 15 partes do Império Romano e falavam cerca de 15 dialetos, porém eles ouviram esses irmãos, cheios do Espírito Santo, falar na sua própria língua. Não há base para a teoria de que o dom era realmente o dom de ouvir colocado na mente destes descrentes e não o dom de falar dado aos irmãos.(6)

A pergunta hermenêutica – “E estavam todos maravilhados e perplexos, e diziam uns aos outros: Que é isto?” (Atos 2.12).

Havia uma total perplexidade. O movimento do Espírito é sempre um fenômeno que agita as mentes, é de uma magnitude fenomenologicamente sobrenatural. Tal pergunta está muito além de todos os esforços da hermenêutica pentecostal, pois o que o Espírito Santo realiza é experimentado pelos crentes, extrapola todas as investigações da lógica e da psicologia, da teologia e da filosofia, das ciências sociais e das teorias literárias. Na verdade, a pergunta “Que é isto?”, ou seja, “O que significa isso?”, nunca poderá ser respondida satisfatoriamente.

Lucas retoma sua narrativa sobre a reação da multidão dizendo que estavam “atônitos”. Ele emprega a mesma palavra no versículo (7), mas agora acrescenta o termo “perplexos”. Lucas indica que as pessoas continuam confusas, pois não conseguem explicar o milagre que estão presenciando.

Como ouvimos a voz do Espírito nas Escrituras? Depois de fazer uma exegese responsável, de que forma podemos esperar que o Espírito Santo aplique o texto à nossa vida e às nossas igrejas?

A experiência espiritual deve ser julgada pelas Escrituras. Não podemos correr o risco de querer interpretar as Escrituras à luz das nossas experiências. Todas as experiências espirituais devem passar pelo crivo das Escrituras. As nossas impressões espirituais a partir da leitura das Escrituras são uma “hermenêutica espiritual”.

A hermenêutica - a ciência e a arte da interpretação bíblica - é a principal preocupação dos evangélicos por causa de seu compromisso com a inerrância e a autoridade da Palavra de Deus. A missão dos intérpretes é procurar determinar o significado das Escrituras para seus ouvintes e leitores originais e determinar como esse significado se relaciona com os leitores hoje em dia. O papel do Espírito Santo é confirmar as mesmas verdades bíblicas para os dias de hoje.

A pergunta evangelística – “Tendo eles escutado estas coisas, comoveram-se em seus corações, e disseram a Simão e aos outros apóstolos: Que faremos, irmãos nossos?” (Atos 2.37).

O resultado do discurso de Pedro produziu um efeito poderoso, a ponto de seus ouvintes fazerem uma das mais interessantes perguntas, segundo percebemos em Atos dos Apóstolos. Trata-se de uma pergunta que, certamente, possui as seguintes características: 1. Metanoia (arrependimento); 2. Litúrgica, (batismo); 3. Terapêutica (perdão); e 4. Carismática (dom do Espírito).

O movimento do Espírito é também um movimento evangelístico, não unicamente uma experiência espiritual fechada em si mesma. É na atividade do Espírito que a igreja exerce seu trabalho missionário (Atos 1.8). A dimensão “soteriológica”, profundamente comprometida com a causa pentecostal e pela teologia da cruz argumenta que o poder do Espírito Santo na vida da igreja é, necessariamente curador e terapêutico.

A teologia da salvação e da pregação pentecostal é claramente pública e ensina a partir do viés da universalidade da graça de Deus (Tito 2.11). Não há na soteriologia pentecostal nenhuma ideia de restrição da graça de Deus, nenhuma seletividade de pessoas e nenhum tipo de evangelismo particularista. A todos os homens é dada a oportunidade de dizer “sim” ou “não” diante da cruz de Cristo. Deus não pode decidir pelas consciências humanas, Ele não pode se arrepender por todos (universalismo) ou por alguns (calvinismo), mas Ele pode, sim, na Sua soberania divina, permitir que cada consciência decida na liberdade de sua própria consciência (arminianismo clássico). Cessacionismo é a ideia teológica na qual se formula que parte dos chamados dons do Espírito Santo, apesar de terem fundamental utilidade e importância nos primórdios da igreja apostólica de Jesus Cristo, cessaram de existir ainda no período da Igreja Primitiva.(7)

Concernente a essas quatro questões, cito as palavras de Pedro: “Porque a promessa foi para vós, para vossos filhos e para todos os que estão longe, aos quais Deus chamar” (Atos 2.39). Vemos que:

1) Foi um sinal do cumprimento da promessa aos Judeus e ao mundo (Joel 2.28-32; Lucas 24.49; Atos 1.3-5). O que é essa promessa? Essa promessa é o revestimento do Espírito Santo no cristão (Atos 2.39; Efésios 1.13,14). O batismo no Espírito Santo é uma capacitação para o serviço que ocorre na vida do cristão (Atos 1.5-8). Nele, estamos imersos na vida e no poder do Espírito.

2) O que acontece quando alguém recebe a promessa do Espírito Santo? Essa promessa continua disponível: “[...] para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor nosso Deus chamar” (Atos 2.39). O batismo do Espírito é uma “imersão do Espírito”. Quando você é batizado com o Espírito Santo, você receberá força, poder e ousadia de Deus para realizar sua obra e vencer o pecado em sua própria vida.

3) Por que os apóstolos foram revestidos com o poder do Espírito Santo? Por que precisamos do batismo no Espírito Santo?

Precisamos de um poder além de nós mesmos para o serviço e ministério no Reino de Cristo (Lucas 24.49; Atos 1.3-5, 8). Para ser testemunhas de Cristo (At 1.8) Para falar em línguas sobre as grandezas de Deus. Para confirmar a palavra pregada (Atos 2.43; Hebreus 21-4). Para revelar a vinda do Reino de Deus com poder (Marcos 9.1).

Notas

(1) EPHRAÏM. Jesus: Judeu praticante. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 354-355.

(2) BÍBLIA. Bíblia Peshitta. Rio de Janeiro: BV Books, 2019.

(3) BÍBLIA. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2005, p. 326.

(4) KISTEMAKER, Simon. Atos. Vol.1, 2. Ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 111.

(5) CARSON. D. A. A Manifestação do Espírito: A contemporaneidade dos dons à luz de 1 Coríntios 12-15. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.140.

(6) RITCHIE. Atos dos Apóstolos. Ourinhos/SP: Edições Cristãs & Shalom Publicações, 1999, p. 46.

(7) SANTOS, Roberto. Teologia Pentecostal. São Paulo: Querigma, 2020, p. 155.

Referências

BÍBLIA. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2005, p. 326.

BÍBLIA. Bíblia Peshitta. Rio de Janeiro: BV Books, 2019.

CARSON. D. A. A Manifestação do Espírito: A contemporaneidade dos dons à luz de 1 Coríntios 12-15. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.140.

EPHRAÏM. Jesus: Judeu praticante. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 362.

KISTEMAKER, Simon. Atos. Vol.1, 2. Ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 111.

RITCHIE. Atos dos Apóstolos. Ourinhos/SP: Edições Cristãs & Shalom Publicações, 1999, p. 46.

SANTOS, Roberto. Teologia Pentecostal. São Paulo: Querigma, 2020, p. 155.

Por Roberto dos Santos.

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