O sofrimento dos cristãos no Afeganistão

O sofrimento dos cristãos no Afeganistão

Missionários brasileiros com trabalho no Oriente Médio desde 2001, o casal Jehoshaphat e Yarin Miriam (nomes fictícios por questão de segurança*) trabalhou durante três anos e meio em Cabul, capital do Afeganistão, e vê com preocupação a chegada do Talibã ao poder depois de 20 anos. Ligados à organização Jovens Com Uma Missão (Jocum), eles já trabalharam no Egito, no Líbano e no Curdistão (Iraque).

Residindo com seus dois filhos há cerca de dois anos no Texas, Estados Unidos, onde desenvolvem atividades missionárias nas áreas de educação e esportes alcançando muçulmanos no país, o casal também já trabalhou no Brasil. Definidos por eles mesmos como pessoas que amam os árabes, os afegãos, os iraquianos e o povo do Oriente Médio como um todo, junto com outros brasileiros missionários, Jehoshaphat e Yarin montaram uma pré-escola no Afeganistão, onde ofereciam atividades esportivas e aulas de artes e inglês para adolescentes.

Nesta entrevista, Yarin fala sobre a preocupação com os afegãos, sobretudo com as mulheres, depois da tomada do poder pelo Talibã; da fuga dramática de famílias com medo do grupo; e do atentado perpetrado pelos extremistas que vitimou o líder da organização apoiadora da pré-escola juntamente com seus filhos e vários outros cristãos.

Qual a maior preocupação de vocês em relação à tomada de poder do Talibã no Afeganistão depois de 20 anos?

O receio que se tem com a tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão é da perda total de qualquer liberdade que as pessoas conseguiram ter. Quando os norte-americanos chegaram lá, o país passava por muitas crises. Por exemplo, quando se ia buscar alguma coisa para comer, o que havia era couve-flor, que era o que se podia comprar. Energia não tinha. Era muito difícil para a igreja, pois ela sempre funcionava com os crentes reunidos de portas fechadas. Muito difícil de compartilhar com os afegãos sobre o Senhor. O medo era muito grande. Porém, nós vimos, com todo esse tempo em que os nor te-americanos estiveram lá, a igreja crescer. Pessoas se converteram, cresceram, se desenvolveram em conhecimento, em profissão, puderam estudar, especialmente as mulheres. Com o Talibã, isso é roubado, essas coisas são roubadas, a educação é roubada. E se as pessoas não têm acesso à educação, elas vivem naquela ignorância e não conseguem aprender a crescer. É alvo do inimigo tirar de um povo a educação, negar para as mulheres, crianças e meninas o direito à educação. Os norte-americanos foram usados, de certa forma, por Deus para trazer essa liberdade de estudar, de as mulheres crescerem. Por exemplo, nós temos uma de nossas professoras que se formou. Ela hoje é uma advogada. Antes ela não poderia ter tido essa oportunidade com o Talibã lá. Este é o medo, o medo da tirania que eles trazem e que leva a nação a viver o que eles vivem, no que eles acreditam, que é a Sharia. E eles não querem isso apenas para o Afeganistão, mas para o mundo todo, como já falaram. Eles dizem que não têm pressa, mas que vão trazer para o mundo todo. Este é o alvo deles. Então, este é o receio: de toda essa mentira que eles vivem do islã radical, de trazer a Sharia, de fazer a mulher não ter valor nenhum. O abuso de meninas, por eles considerarem as mulheres impuras, acontece até no meio dos mais radicais que não fazem parte do Talibã, mas são religiosos radicais.

E os cristãos, como vivem no país e como estão lá neste momento difícil?

Sempre foi difícil para a igreja afegã, pois os cristãos se reuniam com as portas fechadas, escondidos. Entre eles, estrangeiros não tinham permissão de estar. No tempo em que estávamos lá, com a igreja reunida apenas com afegãos, alguém se infiltrou na reunião e fez filmagens. Foi lançado isso na T V e o Talibã veio em cima. Foi aí que ficaram sabendo da existência da igreja que estava se reunindo. Como disse, no Afeganistão, sempre foi difícil para a igreja, mas ela existe. A Igreja do Senhor está lá. É sofrida, mas está lá. Precisamos orar para que o Senhor fortaleça, dê mesmo coragem para os que estão permanecendo lá, que não puderam sair; e aos que também decidiram ficar, porque tem o grupo que decidiu ficar e ser luz, entre os quais estão missionários que decidiram ficar lá. É uma decisão muito difícil, de entrega de vida. O que estamos fazendo com outros missionários que moram lá, que faziam parte da nossa organização, por meio de contatos com outros que saíram do Afeganistão no nosso tempo, em 2012, é tentar ajudar essas famílias que precisam sair, pois correm risco de morrer; famílias que trabalharam com estrangeiros, ou trabalharam traduzindo para o exército, ou em nossas casas. Para morar no Afeganistão, você precisa ter alguém que seria aquele que está na porta, um guarda. É ele quem atende quem chega em sua casa, que corria o risco de receber um homem-bomba. Essas pessoas correm risco de o Talibã descobrir, dizendo que sabe quem trabalhou com os estrangeiros e os ajudou. Se descobertas, para essas pessoas é pena de morte.

Em meio ao medo e à insegurança, há testemunhos de livramento e vitória?

A gente sabe como eles tratam as mulheres, as crianças. É muito triste a gente saber que tem uma filha adolescente correndo o risco de cair nas mãos de pessoas tão radicais. É muito choro e muito medo por tudo isso que está acontecendo. O povo afegão está tomado de medo, incertezas do que vai acontecer. Precisamos continuar clamando, porque a mão de Deus está sobre essa situação. Ele não perdeu o controle. Ele está no Trono e Ele reina. Às vezes é difícil entender isso e até ver a mão de Deus, mas a mão de Deus está nisso, a providência do Senhor está nisso. Nas pessoas que já foram resgatadas, nos milagres que já têm acontecido de resgate. Nisto vemos a mão de Deus. Alegramo-nos em saber que a família de uma de nossas professoras, a que se formou em advocacia, foi resgatada. Eles fugiram e ficaram na estrada por dias caminhando até chegar ao próximo país, onde puderam entrar. Na família, há uma adolescente que cantava, que chegou até a ir aos programas na televisão para mostrar seu talento. Ela era conhecida. Se o Talibã a pegasse, teria um motivo de pegar toda a família. Pegariam a mãe, por ter tido contato conosco, por ser uma cristã; e o seu marido também, e por ter essa filha adolescente que era conhecida. Então, nos alegramos porque eles conseguiram chegar sãos e salvos em um lugar. Deus proveu todas as coisas e guardou! Alegramo-nos muito com isso.

O que tem sido feito para a ajudar os que lá ficaram?

Ainda há muita gente lá que precisa sair. São pessoas que podem ser mor tas por causa de todo o contato que tiveram com estrangeiros. A gente tem tentado levantar ofertas. O canal que usamos são os últimos do nosso grupo que ficaram no Afeganistão e estão em contato com esses afegãos que estamos tentando tirar de lá. São pessoas cristãs, missionários que estão tentando ajudar de certa forma, mas há muitos gastos. São gastos de visto, gastos de passagem, dentre outros. E quando conseguimos tirar essas pessoas, como vamos acomodá-las no lugar onde estarão, no lugar novo, até que elas possam ter seus papéis regularizados e poder trabalhar e se manter? Ficamos felizes em saber que o Canadá, a Itália e os Estados Unidos têm recebido os afegãos que conseguiram fugir. Meu apelo é que a Igreja continue orando pelos cristãos afegãos. E que a vontade de Deus seja feita naquela nação. A gente não sabe, mas o Senhor está agindo.

Há alguma situação muito crítica que você viveu e que possa compartilhar, da época em que estavam como missionários no Afeganistão?

O Talibã invadiu o escritório onde ficava a organização que respondia por nossa escola e matou muita gente. O líder da organização estava lá com seus filhos. A esposa dele, que é médica, tinha saído para atender alguém, por isso que ela não morreu. Eles são da África do Sul. Os filhos eram 

dois adolescentes. Eles sairiam de férias da nação uma semana depois do ocorrido, mas não deu tempo. Esses irmãos estavam reunidos em um sótão da casa e o Talibã atacou. Entrando lá, atiraram no líder e nos filhos, e depois lançaram um míssil aéreo no local. A filha tentou fugir, mas eles impediram. Eles destruíram tudo, todos os documentos. Depois a nossa escola teve que ser mudada de local, com intensa perseguição e agora sem a cobertura dessa organização. Muitos missionários à época tiveram que fugir devido à perseguição por causa daquele vídeo que foi ao ar de uma reunião da igreja. Em meio a tudo isso, tivemos que fechar a escola.

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