O Pentecostalismo e a Modernidade

O Pentecostalismo e a Modernidade

O objetivo desse artigo é destacar o Pentecostalismo como uma resposta à Modernidade, através de análises e comparações sobre como os dois fenômenos expressam sua ontologia e epistemologia.

As origens da Modernidade e do Pentecostalismo

A modernidade é uma cosmovisão secular baseada na supremacia da razão humana e na primazia da experiência sobre toda a realidade (ontologia). O grande representante das raízes da modernidade é o iluminista Emanuel Kant. Sinteticamente, no “período moderno, o centro da gravidade mudou de Deus para o homem, da Escritura para a ciência, da revelação para a razão, na confiança de que os seres humanos, partindo de si mesmos e dos seus próprios métodos de conhecimento, pudessem obter uma compreensão do mundo, pelo menos dos seus fatos, se não dos seus valores” (NAUGLE, 2017, p. 229).

O Pentecostalismo Moderno geralmente é associado aos eventos que ocorreram na Rua Azuza, quando cristãos de vários lugares do mundo relataram terem experimentado o Batismo no Espírito Santo, conforme Atos dos Apóstolos 2 (SYNAN, 2009). Uma de suas marcas está na afirmação da validade da promessa bíblica do Batismo no Espírito Santo evidenciado pelo falar em línguas para hoje. Mas, o que o Movimento Pentecostal tem a ver com a modernidade dentro da história das ideias? Qual a relação possível, dentro da teoria do conhecimento (epistemologia) e da ontologia, desses dois movimentos que deixaram impacto na história humana?

A ontologia moderna e a ontologia pentecostal

A ontologia moderna é uma reação ao dogmatismo católico romano, frequentemente baseado na filosofia aristotélica. A concepção de realidade na modernidade não aceita mais o que é anímico (Renascimento), nem sobrenatural (Idade Média) ou mesmo mítico (Grécia). O mundo, antes visto como geocêntrico, agora é ressignificado como heliocêntrico; o acaso agora ocupa o lugar da providência e a práxis ocupa o lugar da contemplação. A existência está atrelada à ideia de que “o que é racional é real e o que é real é racional” (Hegel). O ser agora é o que é material, físico, racional, quantificável. Toda a forma de conceber o mundo agora passa pelo tribunal da razão. O que sai da esfera do entendimento humano é visto como fantasioso, místico e irreal. Dentro da esfera do que vai além da compreensão e experiência humana (empirismo), está Deus, os anjos, o Céu, o Inferno e a própria alma humana. A Modernidade fundou a religião irreligiosa (ou seria anticristã?), onde a recriação a partir do próprio homem é a única forma de interpretação da realidade aceita como sendo dentro dos limites da razão. O mundo se encolhe até onde o Estado pode tocar; a ciência pode medir e o progresso pode determinar. Seria a modernidade um projeto incrédulo de destruição do significado da religião através da fundação da irreligiosidade baseada na imanência obscura? A ontologia moderna é um mundo mecânico dominado pelas ideias de Galileu e Newton, em que as de leis imutáveis e a uniformidade da natureza seguem curso de forma inflexível.

A ontologia pentecostal escapa dos grilhões do reducionismo matematizante da Modernidade, que reduzia o homem e o mundo ao biológico, químico, histórico e social. Enquanto a Modernidade entende a realidade como sujeita à razão e limitada à experiência, o Pentecostalismo ultrapassa o misticismo religioso católico, submetendo o experiencial ao escriturístico dentro da esfera da interioridade e da vida.

O Pentecostalismo não nega a razão, mas reafirma seus limites. Ele entende que este mundo não é só o que o observamos, ou mesmo o que conseguimos medir ou calcular. Existe algo ou Alguém que escapa nos últimos segundos, como se fugisse, como se Sua realidade não pudesse ser controlada, manipulada em nossos frios laboratórios ou revelada no escrutínio das nossas análises. O Pentecostalismo não é escravo do senso comum e nem do sobrenaturalismo das religiões orientais. Ele depende da experiência do texto unida à experiência do Espírito Santo na vida. Não é resultado de meditação, não se apoia em energia cósmica. A pessoalidade do Pneuma Hagios (Espírito Santo) é reafirmada do início ao fim. Sua voz é suprema. Seu toque é poderoso. Sua direção é interna. Mas tudo é real. Tudo é vivido. Não dá para contar, medir, provar (cientificamente), mas quem disse que é preciso ter prova de tudo? A prova do contato real não cede ao tribunal de quem nunca conseguiu provar que tudo tem que ter uma prova.

A epistemologia moderna e a epistemologia pentecostal

A epistemologia moderna é fundamentalmente verificacionista e matematizante. Apenas o que pode ser verificado ou comprovado matematicamente é aceito como verdadeiro. Mas, como Deus, a ética e valores estéticos ficam diante dessa navalha reducionista?

O espírito antimetafísico tornou apenas o que é material e perceptível como sendo o único possível de ser conhecido. O que conhecemos é agora limitado porque não podemos mais conhecer o que não podemos experimentar. Estamos dentro de um sistema que conhecemos que não podemos conhecer. Com a certeza de que só duvidando podemos chegar a algumas certezas e até essas certezas ainda são incertas. Literalmente, criamos o dogma de que os dogmas não devem ser a base do conhecimento e que na verdade conhecimento é resultado apenas de ciência.

A epistemologia pentecostal é baseada profundamente na crença revelacional do Espírito tanto na Escritura (normativamente) quando nos carismas (profeticamente). Enquanto na Modernidade o conhecimento é resultado de um método rigoroso de observação, experimentação e teorização, no Pentecostalismo o espiritual não é descartado por causa da guerra contra o metafísico. O mundo não é um sistema matemático de causa e efeito fechado, mas um lugar exótico, incontrolável, onde a ditadura do naturalismo não tem espaço e nem as invasões do historicismo tem brechas. O Pentecostalismo nunca foi contra o conhecer, ou mesmo contra o progresso, mas contra as premissas não discutidas do que agora era dito como única forma de conhecimento aceitável, crível, real. O conhecimento religioso, na concepção de Comte, faz parte da infância do ser humano (COMTE, 1978, p. 38). O Pentecostalismo não foi uma invenção tardia, mas foi uma ressurreição da cosmovisão bíblica e pneumatológica, esquecida dentro de um mundo asfixiado pela não possibilidade da religião. Talvez o que o Pentecostalismo tenha sido é o suspiro de um mundo sufocado, a procura de Deus, e que agora pôde ser encontrado na igreja estranha e barulhenta de um homem negro cego de um olho (William Seymour).

O Pentecostalismo coloca, no lugar que a Modernidade dá para as luzes da razão, a voz do Espírito na Palavra. No lugar das predições do “científico”, o Pentecostalismo reafirma o profético. No espaço da pregação do progresso moderno, o Pentecostalismo coloca o progresso moral do Movimento da Santidade. Enquanto a Modernidade se apega à matemática e à física, o Pentecostalismo se alia ao metafísico e espiritual. No lugar de espírito da época, o Pentecostalismo prega a época do Espírito. A Modernidade profetizou a morte da religião e o Pentecostalismo é a prova que o tiro saiu pela culatra.

O Pentecostalismo é a volta da centralidade da metafísica ao espaço público. Deus volta aos becos e vielas, com crentes falando outras línguas, manifestando Seus sinais ao mundo. O mundo frio do conceitual não foi suficiente para satisfazer a fome do transcendental que só uma visão bíblica, completa e contextualizada de Deus poderia fornecer. Quem disse que a metafísica foi morta há séculos? Ela está viva e passa bem sentada no banco de uma igreja pentecostal.

O Pentecostalismo pode ter tido no passado problema com o anti-intelectualismo do fundamentalismo, mas nunca foi escravo do cientificismo e nem do ceticismo. Ele sempre fugiu das garras do racionalismo. A resposta do Pentecostalismo à epistemologia moderna foi a volta da presença do real, foi o retorno do numinoso, foi o reconhecimento dos limites do intelecto. O Pentecostalismo não caiu no irracionalismo, mas proclamou a aceitação do sobrenatural como real. A supremacia do modernismo na sua expressão epistemológica caiu por terra quando as loucuras da irracionalidade brotaram da dita “razão”. Que estranho racional é esse que gera guerras e caos em nome do progresso e com a bandeira do tecnológico? O Pentecostalismo sempre reafirmou a imperfeição humana e a necessidade de regeneração. Mas o mal foi jogado debaixo do tapete das filosofias otimistas do Iluminismo. Algumas décadas depois, as previsões otimistas morreram nas praias das decepções sociais e históricas.

O Pentecostalismo, herdeiro do pietismo, resistiu ao aprisionamento da religião e da fé apenas ao campo do intelecto ou do ético, que reconduzia a expressão do Cristianismo a uma modalidade de existência em que Deus está ligado a uma revelação que faz parte do passado ou que o reduzia a símbolo das culturas de povos antigos e pré-científicos. Não, Deus existe aqui e agora! Ele continua operando sinais, apesar das críticas de Hume. As leis da natureza não são obstáculos para o Pai da natureza. Deus está vivo, é real e se revelou em Seu Filho que agora é ontológica e epistemologicamente vivo no Espírito Santo que mora em cada crente.

Referências

COMTE,  Augusto.  Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores)

NAUGLE, David. Cosmovisão: a história de um conceito. Ed. Monergismo. Brasília – DF, 2017.

SYNAN, Vinsan. O Século do Espírito Santo. Ed. Vida. São Paulo, 2009.

Por Moisses Bacelar Campelo.

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