Ainda que uma mãe se esqueça

Ainda que uma mãe se esqueça

Os papéis desempenhados pelos outros são essenciais à psiquê humana. À chegada de uma criança ao mundo reestrutura o meio social que a recebe, ao mesmo tempo em que este meio a formata quanto às habilidades, valores e conceitos adquiridos. A família adapta-se ao novo membro, e os irmãos se adequam ao bebê que reorganiza os espaços e atenções. As funções maternas e paternas formatam as principais regras sociais e os princípios morais e espirituais a serem internalizados. Os homens, quando são honrados e responsáveis, acompanham o crescimento do feto, desenvolvendo uma paternidade amorosa e dedicada à criança e à mãe ao longo da gestação. São fundamentais durante a gravidez, mas também ao longo de toda a vida que se inicia.

Os pais brincam de forma diferente com seus filhos, educam de um modo peculiar, espelham o universo masculino e são chamados por Deus para serem os sacerdotes dos seus filhos e do lar. A mulher tem o privilégio de sentir a vida vibrar dentro dela, de experimentar, antes do homem, os movimentos e sensações do novo ser e suas particularidades. A mãe doa seu corpo por nove meses para que uma nova vida brote e se desenvolva a partir do seu interior. Ela acolhe, amamenta, educa e geralmente é o espelho onde seus filhos constroem a primeira imagem de si mesmos. O fato de poder gerar define a principal ênfase do apego materno: a mãe se faz mãe enquanto gera, se apega ao filho que é um com ela e vincula-se a ele como a seu próprio corpo, pois este é literalmente costurado nas suas entranhas: “Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra” (Salmos 139.13,15 — NVI). Quando uma criança nasce, o pai, por mais próximo que seja, emociona-se com a vida que agora se comporta fora do corpo materno e que está ao alcance das suas mãos e dos seus olhos. Contudo, a conexão amorosa entre a mãe e o filho, na maioria dos casos, já está bem embasada: a mãe já percebe o filho como dela, já conhece o seu ritmo motor e o filho se sente em “casa” nos seus braços, acostumado que está ao seu cheiro e à sua voz.

Amar é decisão. É decidir nutrir afeto por uma pessoa a despeito de não gostar de tudo nela. E o amor gera atos: tanto o amor aprendido e assimilado pelo amor do outro como o amor que surge como processo decisório promovem atitudes amorosas nos indivíduos.  O amor de Deus nunca falha, nunca erra, nunca acaba. Mas o nosso amor, enquanto fruto, precisa ser desejado, nutrido e regado continuamente em nosso interior para não morrer. Em um casamento, se um dos cônjuges resolver não mais nutrir amor pelo outro, este amor pode até mesmo acabar. De modo semelhante, um indivíduo pode decidir não mais amar seus filhos, seus pais, amigos ou a si mesmo, afastando-se de Deus por não nutrir o fruto esperado; e é a partir da premissa de que amar é decisão que podemos analisar o texto bíblico de Isaías: “Será que uma mãe pode esquecer do seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou? Embora ela possa se esquecer, eu não me esquecerei de você!” (Isaías 49.15 – NVI).

O próprio Deus responde à pergunta que faz. “Sim”, responde Deus, “ela pode!”. Por mais que não seja o esperado, por mais que a mãe tenha vivenciado o crescimento uterino, por mais que se espere o apego afetivo, ela não deveria, mas pode abandonar, desprezar e até mesmo agredir e matar uma criança que gerou em seu ventre! O amor materno incondicional é um mito. O crescimento da defesa da prática do aborto, especialmente pelas mulheres, evidencia ainda mais o desapego à vida gerada. O discurso a favor do aborto constrói ainda mais o conceito da gestação como descartável, diminui sua grandeza e importância, menosprezando a decisão pela formação de laços afetivos – a vida do filho torna-se irrelevante e pode ser eliminada e destruída por critérios egoístas e contrários à ordem estabelecida por Deus. Ao longo da minha vida profissional, foram inúmeras as oportunidades em que mães (e pais) confidenciaram que não conseguiam amar seus filhos, que desejavam a morte dos mesmos, que os enxergavam como peso ou empecilhos para uma desejada liberdade. Já estive muitas vezes em tribunais e varas de família, confeccionando laudos em que pais e mães (muitos dos quais que se diziam evangélicos) abusaram sexualmente e/ou emocionalmente de seus filhos, causando marcas indeléveis na vida de crianças atordoadas por tamanha brutalidade e maldade.

Algumas pessoas optam pelo desamor, pela frieza emocional, pelo distanciamento afetivo. Genitores podem gerar, cuidar, pagar pelos estudos dos filhos, mas ainda assim podem escolher ferir, atormentar ou maltratar o corpo e a alma dos que dependem deles e carregam seus sobrenomes. Portanto, não espere a mesma dose de amor de quem você precisa amar, sejam pais, irmãos, colegas de trabalho ou da igreja. Lembre-se que as outras pessoas podem fazer decisões diferentes de você – alguns pais podem escolher continuar jogando indiretas, alguns irmãos vão permanecer diminuindo você, sua mãe pode não retornar suas ligações e muitas pessoas podem escolher não amar você.

A frase divina “ainda que uma mãe esqueça, eu não me esquecerei de você!” pode ser aplicada a diferentes contextos da vida relacional humana, até porque situações geradas por outros nos moldam, como rejeição, traição, inconsequência, irresponsabilidade, descompromisso, desonra, abandono ou falta de cuidado parental. As pessoas afetam-nos com seu desprezo, sua frieza, e com palavras e atos que ferem nossa alma. Mas quando estamos em Deus, sabemos que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida (Salmos 23.6).  Portanto, ainda que você tenha desenvolvido um afeto por alguém, essa pessoa pode optar por não retribuir a sua amizade – e ainda que ela decida tornar-se sua inimiga, Deus jamais vai deixar de oferecer a amizade dEle a você. Ainda que você espere gratidão das pessoas que ajudou emocional, financeira ou espiritualmente, muitas delas serão ingratas ou lhe causarão males: Paulo vivenciou isso (1 Timóteo 1.20; 2 Timóteo 2.17; 4.14).

Porém, ainda que muitos sejam ingratos, Deus jamais irá nos decepcionar e, assim como Paulo, haveremos de cumprir os desígnios de Deus até o final! Ainda que você decida apoiar ou ajudar outras pessoas que desenvolvam liderança ou chefia, algumas delas vão invejar a sua capacidade. Isto aconteceu com Davi, que demonstrou lealdade ao seu rei e lutou bravamente em seu nome, contudo a sua fidelidade não impediu que Saul desenvolvesse inveja contra o jovem soldado (1 Samuel 18.9). Apesar disso, o Senhor jamais abandonou Davi, e mesmo enquanto ele experimentou o exílio, Deus honrou o seu servo e ainda cumpriu, e cumprirá em Jesus, a promessa de manter a sua descendência no trono de Israel.   Ainda que a sua família o abandone ou venha a ferir a sua alma, como José vivenciou por duros anos, Deus vai manter a bênção sobre a sua vida. O Criador não é homem para que minta, mãe para que se esqueça, pai humano que abandona os filhos ou um líder que comete erros. Ele nunca decepciona, nunca erra, nunca falha, nunca mente, nunca é injusto, nunca nos esquece. Anseie menos pelos elogios e afetos humanos, e preencha sua alma do Senhor. Espere menos de pessoas e confie mais em Deus. Olhe menos para os lados e mais para cima!

Por, Elaine Cruz.

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