Embriões de humanos com animais

Embriões de humanos com animais

Cientistas afirmam já terem criado na China, causando indignação

Em 15 de abril (2021), a revista científica Cell publicou o anúncio oficial da equipe do cientista espanhol Juan Carlos Izpisua sobre a criação – em um laboratório na China que abriu suas portas para o experimento – de 132 embriões com uma mistura de células de seres humanos e de macacos. Desde 2019 o projeto estava em andamento, causando protestos na comunidade científica pela falta de ética. Segundo o relato dos pesquisadores, três desses embriões, de até 10 mil células, chegaram a crescer durante 19 dias fora do útero, momento em que interromperam o estudo, o qual foi financiado parcialmente pela Universidade Católica San Antonio de Murcia. Essas estruturas são chamadas pela comunidade científica de “quimeras”, em alusão aos monstros da literatura mitológica grega que traziam uma cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão.

O anúncio foi ilustrado por uma imagem distorcida da pintura A Criação de Adão, um afresco de Michelangelo na Capela Sistina, em que a mão de Deus da vida ao primeiro homem. No novo desenho, vê-se a mão de um macaco e a mão de um ser humano trazendo energia a um embrião misto. Juan Carlis Izpisua fez, porém, questão de enfatizar que o verdadeiro objetivo é a criação de quimeras de porco e ser humano, e que a quimera de homem e macaco é só a primeira fase. O objetivo final é gerar órgãos humanos em porcos, uma vez que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são realizados 130 mil transplantes por ano em todo o mundo, o que representa apenas 10% do volume necessário. Logo, Izpisua justificou o experimento afirmando que “a cada ano dezenas de milhares de pacientes morrem na lista de espera por um órgão”, de maneira que esses novos órgãos criados a partir dessas quimeras ajudariam a resolver o problema. Ou seja, como de praxe, ultrapassa-se a linha ética em nome de boa causa.

Em 2017, o grupo de Izpisua havia tentado, no Instituto Salk, em La Jolla, Estados Unidos, a criação de quimeras entre porco e humano com apenas uma célula humana para cada 100 mil células suínas, mas o projeto foi um completo fracasso, o qual Izpisua atribuiu “aos 90 milhões de anos de evolução que separam esses animais e as pessoas”. Por isso, o cientista espanhol decidiu tentar agora o experimento com duas espécies que, segundo a Teoria da Evolução, seriam muito mais próximas: os humanos e os macacos. Foram utilizados óvulos de uma dúzia de fêmeas de macaco caranguejo (um tipo de macaco), os quais foram fecundados com espermatozoides da mesma espécie e, depois de seis dias de cultivo em laboratório, obtiveram 132 minúsculos embriões, cada um contendo 110 células animais. A equipe adicionou então 25 células humanas a essas estruturas, previamente reprogramadas com um coquetel químico para poderem se transformar em qualquer tipo de célula: pele, músculo, fígado, coração. O resultado, 19 dias depois da fecundação, é uma bolinha mista de 10 mil células com uma porcentagem humana de 7%. A experiência foi realizada no Laboratório de Pesquisa Biomédica de Primatas de Yunnan, na China, que conta com milhares de macacos da cidade de Kunming.

A comunidade científica criticou o experimento. A primeira a criticar foi a bióloga britânica Christine Mummery, presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células Tronco, que asseverou que “as quimeras de humanos e animais estão ultrapassando os limites éticos e científicos estabelecidos”. Ela afirmou ainda que a entidade que preside estará divulgando novas diretrizes neste mês para tentar manter a integridade desse tipo de pesquisa. Ela também enfatizou que Mummery pessoalmente duvida dos argumentos oferecidos por Izpisua para defender seus ensaios: “O resultado dos experimentos é interessante, mas justificar sua realização no contexto da medicina regenerativa para gerar órgãos humanos em animais para transplantes me parece um objetivo muito distante”, disse a bióloga da Universidade de Leiden, na Holanda. Como frisa ela, há alternativas “eticamente mais aceitáveis”.

O cientista Martínez Arias, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, na Espanha, foi um dos críticos mais severos das experiências de Izpisua na China, destacando seus experimentos como sendo “de ética duvidosa” e de “baixa qualidade técnica”. “Acredito que ele não demonstrou a viabilidade dessas quimeras”, diz o biólogo. “Esse tipo de experimento pode gerar temores na sociedade e colocar em risco o trabalho de outros cientistas que estão tentando criar um marco ético e legal para pesquisas relacionadas”, acrescenta Arias.

O jurista Federico de Montalvo, presidente do Comitê de Bioética da Espanha, também se mostrou contrário à pesquisa, e perguntou: “Por que os experimentos foram feitos na China? É por que são cientificamente mais avançados ou é porque são eticamente mais relaxados?”. De Montalvo, que dirige o mais alto órgão consultivo do governo espanhol no campo de ética científica, chamou a atenção ainda para outros objetivos além do divulgado: “A intenção atual é digna de aplauso, mas talvez devêssemos pensar também se isso pode estar sendo usado para outros fins, como criar uma espécie de sujeito intermediário. O risco é abrir um caminho que outras pessoas possam percorrer”.

Conforme o jornal El País, ao ser questionado especificamente sobre esse assunto, Izpisua disse: “Não sabemos se embriões de macaco com células humanas seriam biologicamente viáveis, entretanto nosso objetivo na pesquisa de quimeras não é desenvolver novos organismos, mas compreender melhor o desenvolvimento humano para obter tratamentos para as doenças”.

Desde o século passado, o ser humano tenta criar um híbrido entre seres humanos e animais. A primeira tentativa conhecida é do zoólogo russo Ilia Ivanov, que apoiado pelas autoridades da União Soviética, viajou para a África Ocidental, onde hoje é a Guiné Conakri, para capturar macacos para suas experiências. Seu objetivo era criar híbridos de chimpanzés e humanos por inseminação artificial das fêmeas, mas seus experimentos foram um fracasso.

Na década de 1970, foi desenvolvido o chamado “Teste do Hamster” para avaliar a fertilidade masculina, no qual os espermatozoides humanos penetravam em óvulos de hamster. Mais recentemente, há quatro meses, a equipe do biólogo francês Pierre Savatier publicou uma tentativa de criar embriões quiméricos de macaco e humano em seu laboratório na Universidade de Lyon. Os pesquisadores conseguiram um máximo de 10 células humanas em estruturas embrionárias de macacos com um total de 250 células e sete dias de desenvolvimento, segundo explica o bioquímico espanhol Manuel Serrano, que participou do trabalho. Segundo matéria do jornal El País, “Izpisua usou um coquetel químico diferente para induzir um estado especial nas células humanas que implantou em embriões de macaco. Assim conseguiu embriões de 19 dias com cerca de 7% de material genético humano”.

O biólogo espanhol Alfonso Martínez Arias afirma que “não era necessário abrir esta caixa de Pandora”, visto que seu grupo na Universidade de Cambridge produziu em 2020, a partir de células embrionárias cultivadas em laboratório, estruturas semelhantes a um embrião humano de quase 20 dias sem a semente que daria origem ao cérebro. O pesquisador acredita que esses pseudoembriões de laboratório são uma alternativa às quimeras de macaco para estudar o desenvolvimento de órgãos humanos.

O jornal El País lembra que “a lei espanhola, redigida em 2006, proíbe a produção de híbridos de espécies diferentes que incluam material genético humano, mas faz uma exceção juridicamente confusa: ‘Exceto nos casos dos ensaios atualmente permitidos’”. Logo, as experiências de Izpisua poderiam ser feitas na União Europeia. O jornal lembra ainda que “as quimeras de porco e humano de 2017, de fato, foram feitas em grande parte em Murcia. Duas das coautoras da época, a bióloga Estrella Núñez e a veterinária Llanos Martínez, também participaram, na Universidade Católica San Antonio de Murcia, na elaboração das quimeras de macaco e humano”. O jornal espanhol ressalta que “a pesquisa com embriões humanos remanescentes das clínicas de fertilidade está sujeita a uma linha vermelha internacional de 14 dias, o momento do desenvolvimento em que supostamente se cria o conceito de indivíduo: a partir daí o embrião não pode mais se dividir para dar origem a irmãos gêmeos. A bióloga espanhola Marta Shahbazi e a po-lonesa Magdalena Zernicka-Goetz desenvolveram em 2016 um método para cultivar embriões fora do útero até esse limite de 14 dias. A equipe de Izpisua foi mais longe com os embriões quiméricos de macaco e humano, até 19 dias, justo antes de o sistema nervoso começar a se desenvolver”.

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