O Reino de Deus e o governo humano

O Reino de Deus e o governo humano

 Depois de mais de três anos ao lado de Jesus, os discípulos contemplaram Seu ministério, morte e ressurreição. Agora, estão diante do Mestre que lhes concede as instruções finais antes de Sua ascensão. Foram quarenta dias após a ressurreição com provas infalíveis de que vencera a morte e lhes expunha o Reino de Deus (Atos 1.3). Antes de subir aos céus, Jesus ainda ordena aos Seus discípulos para que permaneçam em Jerusalém a fim de aguardarem a promessa do Pai: o batismo no Espírito Santo (Atos 1.4,5). O que pensar dessa promessa divina? Qual seria sua finalidade?

Inicialmente, os discípulos interpretaram a promessa de forma equivocada, eles julgaram que a mesma serviria para cumprir os anseios patrióticos dos judeus. Nesse sentido, indagam a Jesus: “Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?” (Atos 1.6). Eles indagaram se seria por intermédio dessa promessa do Pai que Israel voltaria a ser uma nação soberana e livre da dominação do Império Romano? Assim, os seguidores de Jesus ainda não compreendiam que o Reino de Deus é maior do que qualquer instituição humana, não podendo ser confundido com nenhum governo humano. Eles não entendiam que os recursos humanos não podem levar a cabo os fins do Reino de Cristo. O trecho registrado pelo evangelista Lucas dá a entender que havia duas possibilidades no intelecto dos discípulos:

A restauração do Reino a Israel sem a ajuda do Espírito Santo

Como o diálogo ocorre antes do derramamento do Espírito (Atos 2), naturalmente os discípulos não tinham noção do que o Mestre dizia antes de deixá-los naquele momento. Ao observamos nesta perspectiva, entendemos que se cumpridos os anseios de renovo político de Israel, ainda que sem o batismo no Espírito Santo, essa ideia seria aceita por eles, uma vez que a leitura que fizeram do Reino de Deus era totalmente equivocada.

Segundo o Comentário Bíblico Pentecostal, “Os discípulos pensam erroneamente que Israel, no Reino, está destinado a dominar o mundo. (....) Eles esperam uma ordem terrena na qual Israel regerá outras nações, como no período de Davi e Salomão”.1

A restauração do Reino a Israel com a ajuda do Espírito Santo

Por outro lado, ao ouvirem a promessa de Jesus que se referia ao batismo no Espírito, indagam se isto será relacionado à restauração do Reino a Israel (v. 6). Assim, caso o Espírito fosse um mecanismo divino para o cumprimento da perspectiva humana quanto ao domínio político da nação, então que fosse. Não havia ainda o entendimento da dimensão do Reino espiritual de Cristo, seu propósito salvífico voltado a todos os homens, sua capacidade de selar a paz entre criatura e Criador por intermédio do sangue do Salvador (Romanos 5.1).

Apesar das suposições já mencionadas, certo é que em nenhuma das hipóteses houve interpretação correta da vontade divina até que chegasse o poder do alto. O Rei no de Deus já havia chegado (Lucas 10.9,11) e estava entre os homens, mas também conta um aspecto futuro em que Cristo governará sobre tudo, quando todos diante dEle se dobrarão (Filipenses 2.10).

Em Jerusalém, cumprindo-se o dia de Pentecostes e todos reunidos no mesmo lugar, como Cristo havia prometido, a promessa do Pai cumpriu-se sobre os que estavam juntos e perseveraram. Os discípulos foram cheios do Espírito Santo, tendo como evidência disto o transbordar no falar em línguas. Após a experiência sobrenatural, a percepção do Reino de Deus mudou para os seguidores de Cristo. A hegemonia de Israel como reino terrestre já não permeava a mente daqueles homens e mulheres, basta observar as muitas referências feitas por Lucas em relação à mensagem de Filipe (Atos 8.12) ao anunciar o Reino aos samaritanos; o apóstolo Paulo durante as suas viagens missionárias (Atos 14.21,22; 19.8) e até mesmo como prisioneiro de Roma (Atos 28.23-31).

Lucas contrasta a perspectiva do Reino desejado pelos discípulos em Atos 1.6 com a mensagem pentecostal ao longo de Atos dos Apóstolos. Para Jesus, se os discípulos queriam poder eles teriam, não na forma que desejavam, mas sim como Deus havia proposto (Atos 1.8). Um poder que transcendeu limites físicos e geográficos, organizações do Estado e até mesmo o mundo terrestre a ponto de possibilitar a homens e mulheres a vida eterna, o que não seria possível por meio de uma instituição humana, ainda que bem-sucedida no cumprimento de seus propósitos.

Conforme a Bíblia de Estudo Pentecostal, “o reino não é uma teocracia-política; ele não está vinculado ao domínio social ou político sobre as nações ou reinos deste mundo (João 18.36). Deus não pretende atualmente redimir e reformar o mundo através de ativismo social ou político, da força, ou de ação violenta (Mateus 26.52; ver João 18.36, nota). O mundo durante a presente era, continuará inimigo de Deus e do seu povo (João 15.19; Romanos 12.1,2; Tiago 4.4; 1 João 2.15.17; 4.4). O governo de Deus mediante o juízo direto e à força só ocorrerá no fim dessa era (Apocalipse 19.11-21)”2.

Diante das considerações bíblicas e do argumento mencionado, não se pode, em qualquer lugar do globo terrestre, por mais favorável que o sistema político seja à participação dos cidadãos, incluindo os cristãos, confundir qualquer mecanismo humano como ferramenta indispensável para promoção do Reino de Cristo, tampouco achar que afinidade com instituições transitórias é necessariamente sinônimo da bênção divina. Incorrer neste erro é tentar validar a interpretação equivocada que já foi objeto de correção por parte de Jesus Cristo momentos antes de Sua subida aos céus.

Não negligenciando eventuais benefícios decorrentes do devido respeito e participação na sociedade pelos crentes em Jesus, os servos do Senhor nunca poderão confundir a verdadeira dimensão do reino instituído pelo Cristo, sob pena de fracassarem na missão confiada por Seu rei.

Por fim, “aos discípulos é prometido ‘virtude’ ou ‘poder’ (ARA) – não poder político, mas poder para servir (...), um poder concedido pelo Espírito Santo para dar testemunho de Jesus Cristo, um poder para influenciar ou outros a aceitar a Cristo”3. Ao longo de sua trajetória neste mundo, que cada cristão busque com vigor este poder.

NOTAS

1 ARRINGTON, French L.; STRONSTAD, Roger (Eds). Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 626

2 STAMPS, Donald. (Ed). Bíblia de Estudo Pentecostal, Rio de Janeiro: CPAD, p. 1.412.

3 ARRINGTON, French L.; STRONSTAD.  Op. Cit. p. 626

Por, João Paulo da Silva Mendes.

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