A Carta aos Romanos é considerada a mais teológica das que Paulo escreveu, sendo a mais soteriológica e, nem por isso, inatingÃvel ao leigo; pelo contrário, o mais simples dentre os homens que quiser encontrar palavras que o levem à fé verdadeira as encontrará nestes escritos paulinos. É por isso que, embora ilustres teólogos da História da Igreja tenham se inspirado nesta Carta para esboçarem sua doutrina, foi lendo-a de forma devocional que eles encontraram razão para a sua fé. A luz brilhou para Agostinho, ao ler Romanos 13.13, de uma forma devocional, como acontece com qualquer pecador; Lutero, em meio aos dilemas acerca da graça e da fé, sentiu escamas caÃrem de seus olhos, ao ler “Mas o justo viverá pela fé” (Romanos 1.17). Isso é o que ocorre a qualquer pecador que com o coração sincero se aproxima desta Carta “teologicamente devocional”. Muitos outros homens de Deus poderiam ser citados, como, por exemplo, Wesley e Calvino, todavia, o propósito é mostrar o quanto essa, que é considerada “A Catedral das EpÃstolas”, traz profundas revelações de Deus aos homens, sendo eles judeus ou gentios, e como a graça salvadora alcança a todos pela fé em Cristo Jesus.
Um dos assuntos mais ricos e complexos que o apóstolo Paulo trouxe na Carta aos Romanos, foi o relacionado a Israel. Há três capÃtulos inteiros que tratam diretamente deste assunto (9 a 11).
Depois de Paulo descrever que os gentios estão debaixo do pecado no capÃtulo 1; que os judeus estão debaixo do pecado no capÃtulo 2; e que todos estão debaixo do pecado no capÃtulo 3 (Romanos 3.23); depois de descrever acerca da justificação pela fé, mediante a graça que há em Cristo (Romanos 3.24; 5.1); de afirmar que, onde abundou o pecado, superabundou a graça (Romanos 5.20); de afirmar que, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus (Romanos 8.1), Paulo passa a descrever acerca do seu próprio povo terreno, de seus parentes (Romanos 9.3). Ele passa a tratar acerca de Israel.
A riqueza de conteúdo e a profundidade de doutrina, que estão presentes nesses três capÃtulos, são enormes, de forma que só será possÃvel analisar alguns deles. É importante destacar, primeiramente, que, nos capÃtulos em questão, Paulo está referindo-se a Israel literalmente, ou seja, ao povo judeu, e não à Igreja como Israel espiritual, como interpretaram e ainda interpretam alguns teólogos reformados. Isso fica claro tanto pelo fato de que ele (Paulo) se identifica com o povo como sendo seus parentes segundo a carne, seus compatriotas (Romanos 9.3; 11.1), quanto pelo fato de que vários versÃculos deixam claro que a citação que Paulo está fazendo é com relação ao povo judeu (Romanos 11.4, 5; 10.1,2 ; 11.26,27). Outra verdade importante é que Paulo os chama de povo de Deus, usando as seguintes expressões: “... Acaso rejeitou Deus o seu povo?…” (Romanos 11.1); e “Deus não rejeitou o seu povo…” (Romanos 11.2).
Quando analisamos o capÃtulo 9, percebemos o autor desta Carta enfatizando a importância profética e histórica deste povo, quando afirma: “...que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém!” (Romanos 9.4,5).
Todavia, pelo fato de ser este assunto um dos mais ricos e complexos das Sagradas Escrituras, é possÃvel que se levantem extremos de interpretação quanto à posição de Israel. É preciso ter a humildade de que, embora a revelação esteja nos textos sagrados, nós é que somos limitados para dar as devidas interpretações. Existem verdades que só serão plenamente compreendidas quando do seu cumprimento.
Fato é que a própria resistência histórica deste povo e a sua atual existência já caracterizam um milagre de Deus. Como um povo conseguiu manter sua identidade linguÃstica, cultural, étnica e religiosa, mesmo diante de tantos conflitos e perseguições? Só pode ser a mão de Deus mesmo!
Diante da riqueza e magnitude dos planos de Deus com relação ao povo da aliança, e da nossa limitação para compreendê-los, é comum que surjam várias interpretações. Existem, por exemplo, duas que se destacam. Uma é a que interpreta que, com a vinda do Messias, que também é o Salvador de toda a humanidade, os planos especÃficos, messiânicos, de Deus para com esse povo também cessaram ou já se cumpriram. São os amilenistas. Claro, segundo essa interpretação, todos os judeus que se convertem a Cristo já cumprem, por si mesmos, o propósito de Deus, em salvar judeus e gentios. Embora seja verdade que o único caminho para a salvação, tanto de judeus, como de gentios, seja através de Cristo, todavia existem promessas e alianças feitas especificamente a Israel que ainda aguardam cumprimento e que levarão toda a nação a se converter a Cristo. Desse modo, esta não parece ser a melhor interpretação.
Outra interpretação que deve ser analisada com cuidado, porque tende a um exagero, é a que se vale da atualidade da promessa de Deus com o povo de Israel para interpretar que, quando Cristo voltar e restaurar Israel, a Antiga Aliança também vai retornar, a lei vai retornar, os sacrifÃcios vão retornar e a salvação dos homens será, de novo, mediante o cumprimento das leis. Embora creiamos na linha pré-milenista e no fato de que existem promessas e alianças que Deus fez com Israel que aguardam cumprimento, e tais cumprimentos dar-se-ão por meio de Jesus Cristo, o verdadeiro e único Messias de Israel e Salvador de toda a humanidade, é importante que nós não reduzamos a posição da Igreja, da Nova Aliança e do plano revelado na plenitude dos tempos (Gálatas 4.4). Que se entenda que a Igreja de Cristo não caracteriza um mero hiato entre a promessa feita no Antigo Testamento e a rejeição de Israel. Não, a Igreja de Cristo, única, imaculada, composta de judeus e gentios lavados pelo sangue de Jesus, foi planejada por Deus e eleita segundo a Sua presciência, antes da fundação do mundo (Efésios 1.3,4). O Cordeiro foi conhecido antes da fundação do mundo (1 Pedro 1.18-20). Antes de existir Gênesis 12 (proto Israel), foi escrito Gênesis 3.15 (proto Eclésia).
Por outro lado, existem claros textos na BÃblia, tanto no Antigo como no Novo testamentos, que nos mostram que ainda existem profecias especÃficas com relação a Israel que algumas estão se cumprindo e outras ainda irão se cumprir. O foco deste texto está na Carta aos Romanos, portanto é a ela que vamos recorrer. Paulo afirma que Deus não rejeitou o Seu povo (no texto, uma referência a Israel – Romanos 11.1,2) e que, na sua época, havia um remanescente de judeus, eleitos segundo a graça, provavelmente uma referência aos judeus cristãos, onde, na verdade, a Igreja começou, a partir de Jerusalém (Romanos 11.5) – e, ainda hoje, existem judeus que reconhecem a Jesus Cristo como o seu Messias e Salvador. Paulo, entretanto, aponta para o futuro, afirmando que Deus não cessou o Seu plano com Israel (Romanos 11.11,12,15).
Paulo fala acerca da plenitude dos gentios (v.25) e da salvação futura do remanescente de Israel (26-29). Estes belos versÃculos devem ser interpretados em sintonia com a passagem acerca das 70 semanas de Daniel (Daniel 9.24-27), dos livros proféticos do Antigo Testamento (principalmente os últimos capÃtulos) e de Apocalipse 19 e 20. Acerca da restauração deste povo, o profeta Zacarias narrou: “E olharão para aquele a quem transpassaram e o prantearão como quem pranteia por um primogênito…” (Zacarias 12.11).
Ora, se Deus não tem mais um plano especÃfico com Israel, porque então o preservou e permitiu retornar à sua terra depois de 2.000 anos? Deus pode salvá-los em qualquer parte do planeta, sem ter que, necessariamente, fazê-los retornar à sua terra depois de milênios. Quando os apóstolos perguntaram a Jesus Cristo se seria neste dia – de derramamento do EspÃrito – que Ele restauraria o reino a Israel, Jesus Cristo não negou essa restauração futura, apenas disse que não competia a eles saber os tempos ou as estações que o Pai reservou à Sua própria autoridade (Atos 1.6,7). Sabendo que já estava perto o dia da sua crucificação, Jesus Cristo disse aos judeus da sua época: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a vossa casa vos ficará deserta. Porque eu vos digo que, desde agora, me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mateus 23.37-39). Sim, haverá um dia, na Manifestação em glória, em que eles dirão tal frase gloriosa.
Citando um texto do Antigo Testamento, escreve Paulo: “E este será o meu concerto com eles, quando eu tirar os seus pecados [...] Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Romanos 11.27,29). Na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), lemos “irrevogáveis”. A revelação que Deus deu a Paulo nestes capÃtulos foi tão tremenda que culminou em um lindo hino de adoração no final do capÃtulo: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juÃzos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente” (Romanos 11.33-36).
Por, Cláudio César Laurindo da Silva.
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