Reflexões sobre culto e adoração

Adoração é um tema relevante, amplo e muito atual. No contexto dos cultos, temos observado que certas liturgias não coadunam com os parâmetros bíblicos e não legitimam uma adoração cristocêntrica. Infelizmente, entre ramificações neopentecostais, temos vivenciado certo desequilíbrio e exagero concernente a alguns aspectos litúrgicos, seja isto individual ou de forma comunitária. É necessário destacar que isso não representa o modelo litúrgico do pentecostalismo histórico. Por exemplo: diversas vezes ouvi líderes de louvor conduzindo cânticos e pronunciando veementes afirmações, como “O louvor nos leva à presença de Deus!”. É claro que quando adoramos coletivamente somos encorajados, renovados e edificados, mas o que nos leva à presença de Deus é a encarnação, morte e ressurreição de Cristo. Se o louvor nos levasse à presença de Deus, não precisaria de Cristo vir a esse mundo e ser crucificado. Lemos em Hebreus 10.19,20: “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne”.

Expressões como essa e outras citadas por líderes de louvores demonstram uma superficialidade de muitos crentes no que tange à adoração. Uma ótima opção para cânticos, hinos, é conhecer o pano de fundo de cada canção. Assim, sugiro fortemente ao leitor apreciar a obra de Silas Daniel, produzida pela CPAD, com o título “A História dos Hinos que Amamos”.

A palavra “adorar” literalmente significa “inclinar-se até o chão”, “prostrar-se diante de alguém em reverência ou temor”. No entanto, o domínio semântico da palavra é bem complexo e pode ultrapassar o seu sentido literal. Adoração se sobrepõe aos ritmos musicais, sermões, reuniões, ofertas, liturgias e a outras expressões corporais. Adoração sempre diz respeito à identidade ao invés da atividade. Todo nosso estilo de vida, pensamentos, atitudes, relacionamentos pessoais e música dizem muito sobre nossa adoração. Lemos em 1Coríntios 10.31 que tudo o que fazemos, mesmo que estejamos simplesmente comendo, bebendo, falando, envolvidos nos negócios, estando em casa ou na Igreja, devemos fazer para glória de Deus. Isso é adoração! E todas as vezes que nos reunimos, nos envolvemos na adoração de uma forma coletiva com o objetivo de promover edificação aos irmãos. O alicerce da adoração não se concentra nas emoções humanas, mas nas relações divinas apresentadas pela própria Escritura. Isso significa que o eixo da adoração é teológico e nunca voltado para o homem.

O significado de adoração nas Escrituras sempre foi teocêntrico e nunca antropocêntrico. As Escrituras não determinam um estilo normativo de culto no Novo Testamento. O que encontramos são elementos que faziam e devem fazer parte de um culto coletivo. São eles: oração, cânticos, pregação, ação de graças e ofertas. A Ceia do Senhor também faz parte dessa estrutura de culto e representa a maior expressão de adoração que podemos oferecer a Deus. Esses elementos formam um conjunto que deve  fazer parte de cada culto dominical ou semanal. Dentro dessa estrutura, há flexibilidade no estilo de culto que seja relevante para nosso contexto cultural. Por exemplo: algumas igrejas brasileiras realizam a Escola Dominical pela manhã e outras, à tarde. Há alguns lugares em que ela ocorre durante a semana.

A profundidade ou superficialidade da Igreja em adorar pode ser medida pela insipiência que alguns crentes têm acerca da relação entre Trindade e Igreja. Um maior entendimento da Trindade conduz-nos a um relacionamento mais íntimo com o Pai, a uma compreensão mais profunda da vontade de Deus em nossas vidas, a uma adoração plena e a relacionamentos saudáveis na família, na igreja e na sociedade. Quando estudamos o Novo Testamento e nos deparamos com o culto oferecido pelos seguidores do Judaísmo, podemos concluir que aquela liturgia não representava uma adoração ao Deus trino. Primeiramente, porque eles não admitiam que o Pai pudesse compartilhar Sua glória, deidade, com o Filho; e em segundo lugar, o estilo de vida dos fariseus, sua abordagem rude com o próximo, sua religiosidade inflexível e seu exclusivismo não demonstravam um estilo trinitário. O radicalismo e a severidade como próximo não refletiam um Deus trino que se doou à humanidade.

Gerald Bray disse que “os cristãos primórdios cultuavam o Deus único em uma Trindade que demoraria alguns séculos para ser definida, mas que era real na experiência deles”. Bray está querendo dizer que a adoração da Igreja Primitiva refletia o Deus trino. O estilo de vida daqueles cristãos já demonstrava uma influência trinitária em sua adoração tanto como na sua experiência. A forma como compartilhavam seus dons e recursos, doando-se uns aos outros, expressava o Pai que compartilha como Filho Sua glória, poder, majestade, Sua auto doação ao criar o mundo e o homem, e proporcionar nossa redenção. A maneira com a qual eles se subordinavam uns aos outros também expressava o Filho, que em amor e voluntariedade subordinou-se ao Pai, mesmo sendo igual ao Pai em poder e glória. Precisamos ensinar nossos irmãos que culto coletivo não é um local para receber, mas um momento para compartilhar com nossos irmãos o amor e a doação.

A maioria dos mandamentos prescritos por Paulo não é de ordenanças a um relacionamento vertical, mas, sim, a um relacionamento horizontal. Isso pode parecer estranho para alguns, mas procure enumerar a diversidade de expressões paulinas tais como “Cuidem uns dos outros” (1 Coríntios 12.24,25), “Suportai-vos uns aos outros” (Efésios 4.1-3), “Perdoai-vos uns aos outros” (Efésios 4.31,32), “Edificai-vos uns aos outros” (1 Tessalonicenses 5.11), “Não mintais uns aos outros” (Colossenses 3.9-10), “Ensinai-vos uns aos outros” (Colossenses 3.16), “Servi uns aos outros” (Gálatas 5.13), “Sujeitem-se uns aos outros” (Efésios 5.18-21), “Deixem de julgar uns aos outros” (Romanos14.13), “Levemos fardos uns dos outros” (Gálatas 6.2) e “Aconselhem-se uns aos outros” (Romanos 15.14). Isso é somente na perspectiva paulina, na qual igreja é sinônimo de relacionamento.

Precisamos também de estar atentos com alguns cultos temáticos realizados em nossas congregações, com temas que prometem soluções imediatistas. Nossa igreja cresceu e sempre foi forte com os tradicionais cultos de oração, consagração, vigílias, culto de ensino, Escola Dominical e culto de pregação. Infelizmente, alguns, por desejarem atrair novas pessoas, promovem certas reuniões que, por alguma razão, podem caminhar contra a herança recebida dos apóstolos e dos nossos pioneiros. Precisamos, como obreiros de Cristo, ser fiéis a Ele e à Sua Palavra, e nos desvencilhar desses modelos “extraordinários” de crescimento de igreja, que mais trazem confusão e divisões do que edificação do corpo.

O Pai, o Filho e o Espírito Santo decidiram não existir somente para eles e, por amor, criaram o mundo. Assim, a Igreja que adora o Deus trino não vive em torno de seus objetivos e satisfação, mas existe para se doar à humanidade. Adoração e atitude estão juntas no culto. Assim lemos em Hebreus 13.15,16: “Por isso ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam seu nome. Não se esqueçam de fazer o bem e de repartir com os outros o que vocês têm, pois de tais sacrifícios Deus se agrada”. O texto diz que há um “sacrifício de louvor” (adoração) e um “fazer o bem e repartir” (atitude).

Para que a Igreja aprofunde sua adoração e adore melhor à Trindade, é necessário que ela tenha uma compreensão que tanto o Pai, quanto o Filho e o Espírito Santo são merecedores de uma mesma adoração. Todas as três pessoas, embora distintas, possuem a mesma divindade. A visão trinitária da adoração nos habilita a participar por meio do Espírito na comunhão do Filho com o Pai. Essa comunhão entre o Pai e o Filho é descrita na oração sacerdotal de Jesus em João 17.

Bibliografia

BRAY, Gerald. Igreja um relato teológico e histórico. São Paulo: Shedd, 2017.
CARSON, D.A; KELLER, Timothy. Louvor Análise Teológica e Prática. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017.
DANIEL, Silas. História dos Hinos que Amamos. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.
TENNEY, Merril C. Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.

Por, Cidrac Ferreira Fontes.

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