Pode-se mentir em caso de vida ou morte?

"Em caso de vida ou morte, quando não resta outra alternativa senão mentir, esse recurso pode ser eticamente aceito?"

Desde a mais tenra idade, todos são ensinados a compreender que a mentira é um erro, pois a mesma constitui-se em uma falsidade, ou mesmo uma omissão da verdade com a intenção deliberada de enganar. Assim sendo, ao longo da vida, evita-se incondicionalmente a prática de mentir.

A ação de condenar ou não a mentira ganha um teor relevante quando incide sobre aquela “falsa expressão” o peso dela se tratar de um “dolus bonus”, isto é, “engano bom”, não obstante o fato de dolo envolva a ideia de má-fé. Usamos “dolus bônus” quando desejamos fazer alusão ao engano que objetiva um bem, tal como o referido caso da ocultação da verdade para impedir o sofrimento.

Ao nos propormos a lidar com esse assunto, antes de qualquer coisa, é preciso compreendermos o ensino bíblico sobre a mentira. Na Bíblia Sagrada, desde o Antigo Testamento, se proíbe expressamente os testemunhos e acusações falsos (Êxodo 20.16; Levítico 6.2; Provérbios 12.22; Jeremias 14.14; Oséias 12.1), e ainda mais enfático é o Novo Testamento, que ensina que a mentira tem a sua origem a partir de Satanás (João 8.44), e, por conseguinte, condena essa prática (Colossenses 3.9), conferindo um destino pesaroso ao mentiroso (Apocalipse 21.8; 22.15). A partir desse posicionamento bíblico, nós podemos elaborar uma compreensão teológica da mentira.

Teologicamente, entendemos que estamos em íntima relação de serviço e comunhão com um Deus que é a própria expressão da verdade, em seu sentido pleno, a qual é ricamente expressa na teologia joanina (João 14.6; 16.13; 17.3,17). Na concepção joanina, a verdade é algo que deve ser sempre revelado, de acordo com o termo grego “aletheia”. Assim sendo, se a verdade é um aspecto constitutivo do caráter divino, logo mentir é agir deliberadamente em contraposição ao santo caráter divino. Logo, tanto bíblica quanto teologicamente, a mentira não é aceita.

A dificuldade nessa abordagem reside no fato de que o assunto em apreciação perpassa a dimensão bíblico-teológica e incide sobre uma circunstância ético-situacional de preservação de vida. Alguns eticistas entendem que o abster-se de falar a verdade trata-se de uma justificada ação de mal menor em determinadas circunstâncias, como no caso das parteiras hebréias (Êxodo 1) e de Raabe (Josué 2). Portanto, partindo da própria Bíblia, entendem que a mentira não é errada sob a condição de “dolus bônus”.

Desse posicionamento de alguns eticistas, nos advém o questionamento se devemos ou não concordar com a ação de mentir visando à preservação da vida, por nesse caso a mentira ser um mal menor. Entendemos que a mentira, independente das circunstâncias, é algo inaceitável a um cristão, tendo em vista a dimensão de mudança de reino que ele vivencia ao nascer de novo: ele migra de um reino de mentiras para o Reino da autêntica verdade (Colossenses 1.13). Nossa ética, seja ela existencial ou situacional, tem por fundamento a Bíblia Sagrada, a qual enfaticamente ensina-nos a não mentir. Os textos bíblicos supramencionados devem ser entendidos como casos isolados, e cabe ressaltar que uma fundamentação bíblica deve ser estabelecida em uma doutrina sistematizada no sentido pleno das Escrituras, ou seja, em seu desenvolvimento ao longo do Antigo e Novo Testamentos, e em especial enfocando, à luz das Epístolas, qual a aplicação do tema ao cristão contemporâneo. O cristão deve abdicar-se da mentira, e manter-se como fiel expositor da verdade.

Por, Jesiel Paulino.

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