Não force uma ultrapassagem

Segundo a Sagrada Escritura, meio pelo qual nos é dado conhecer a vontade de Deus, todos nós participamos de uma carreira que tem como causa final o prêmio eterno. Trata-se, portanto, de uma carreira que requer o máximo de cuidados. Em uma corrida, é natural haver ultrapassagens. Ultrapassar ou superar faz parte da essência do universo, ou no dizer de Heráclito: “A luta é a mãe de todas as coisas”. Mas, na esfera espiritual, que é a dimensão da Igreja, ultrapassagens devem ocorrer no sentido de enriquecimento, de crescimento. É o que chamamos de “economia da salvação”. Todavia, essas ultrapassagens só devem ocorrer em contextos nos quais biblicamente se justificam.

A carreira no Reino pode ser ilustrada pela analogia de uma carreira de automóvel e suas regras de ultrapassagens. À tragédia dar-se-á quando forçamos a ultrapassagem. Forçar, segundo o Dicionário Aurélio, significa “obter por força, entrar à força, violentar, estuprar, arrombar”. Para uma melhor compreensão do que é proposto aqui, consideraremos uma ultrapassagem forçada com uma estrutura que apresenta falhas.

Voando cegamente

O primeiro erro estrutural que caracteriza uma ultrapassagem forçada é ultrapassar sem visibilidade. Isso diz respeito à falta da orientação divina. Vai tudo bem com o homem de Deus, ele está bem com Deus, bem com sua igreja, bem no exercício da sua vocação, está prosperando, o Reino de Deus está ganhando, seu ministério é diferenciado, está em contínuo crescimento, é uma fonte de inspiração para muitos, é uma fonte de bênção para a igreja e para a sociedade em geral etc. Tal ministério é como um tipo ideal a ser alcançado. Mas, de repente, sem sinal algum da parte de Deus, tal obreiro arrisca-se a fazer um voo “cego” e aterrissar em outro lugar. Aterrissar em tais circunstâncias nem sempre é possível. Comportamentos como esse podemos classificar como forçar ultrapassagem. É mudar um paradigma, e nem sempre mudar um paradigma é bom. Além disso, e principalmente, quem está sob as copiosas chuvas das bênçãos de Deus não deve mudar de posição.

Quem está sob “a nuvem da glória” não deve deixar o seu perímetro protetor. Sair do perímetro da “nuvem da glória” é fazer uma ultrapassagem para a derrota, para o fracasso, para a morte. Foi o que aconteceu com Adão (Gênesis 3.1-7), com Corá, Datã e Abirão (Números 16), com Saul (1 Samuel 13.8-14) e com Geazi (2 Reis 5.20-27). O mesmo acontecerá com todos os que quiserem ultrapassar as leis universais e eternas de Deus.

O perigo da pressa

O segundo erro estrutural que caracteriza uma ultrapassagem forçada é a pressa. Um adágio popular diz que “a pressa é inimiga da perfeição”. Certo filósofo fez a seguinte observação: “Por que pressa, se não se sabes para onde vais?”. Vivemos na era da velocidade, da mudança, da alta competitividade. Vivemos em um mundo relativizado e em fluxo de alta rotação. Mas, entre o mundo e a Igreja não há univocidade; cada qual age sob leis específicas. Entre as leis do mundo e da Igreja há semelhanças, mas apenas semelhanças. À essência da Igreja é uma, a essência do mundo é outra bem diferente. À essência do mundo quem faz é o mundo, a essência da Igreja é feita por Deus.

Quem está relacionado com Deus tem que ter tempo para Deus é o tempo de Deus (Números 9.15-23). O obreiro que viola o tempo de Deus pagará por seu erro. Um dos princípios pedagógicos do jejum bíblico, por exemplo, é mostrar a necessidade de se ter tempo para Deus (Mateus 4.2). Sem tempo para Deus, nosso ministério é ineficaz (Marcos 9.29). Portanto, só podemos ser bem-sucedidos em uma escala ascendente, se ascendermos dentro do tempo de Deus. Esse procedimento foi um dos traços do perfil de Davi. Davi soube esperar o seu tempo de assunção ao poder. Embora ungido rei, esperou quatorze anos, segundos os estudiosos da Bíblia. Não forçou nenhuma ultrapassagem!

O erro de subestimar o conjunto

O terceiro erro estrutural que caracteriza uma ultrapassagem forçada é subestimar o conjunto à nossa frente (ministério e ministro). Segundo o critério pragmático, a validade de um ministério é a sua eficácia e a sua utilidade. Mas, biblicamente, um ministério é útil quando ele é uma bênção de Deus para a sociedade. Deixar de reconhecer os benefícios de um ministério bom e tentar ultrapassá-lo significa, na realidade, se autoafirmar como paradigma. Isso é um erro estrutural, é perigoso, é personalismo inconsciente.

Há paradigmas que são ultrapassáveis e outros que não o são. Portanto, nem sempre conseguiremos ultrapassar aquele que corre à nossa frente. Pode acontecer que o motor (ministério) que vai à nossa frente seja mais potente que o nosso, e nós ainda não o percebemos. Portanto, antes de sermos críticos, devemos ser autocríticos. Fazendo assim, estaremos de acordo com a Palavra de Cristo, que diz: “Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para concluí-la. […] para depois não ser zombado” (Lucas 14.28-9).

Razão suficiente

O quarto erro estrutural que caracteriza uma ultrapassagem forçada pode ser identificado por aquilo que os filósofos denominam de “princípio de razão suficiente”. Esse princípio afirma que tudo o que existe e tudo que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para acontecer ou existir. Portanto, você tem de dar razões, isto é, justificativas articuladas, coerentes e não contraditórias para fundamentar o seu objetivo. Sem fundamento não se constrói coisa alguma. Forçar uma ultrapassagem é contra a razão.

De acordo com a razão, devemos esperar o momento certo para ultrapassarmos de um estágio a outro, de um degrau a outro, de uma posição a outra. Segundo o filósofo alemão Hegel, o real é racional e teologicamente o espiritual se sobressai ao material. Logo, as leis do Espírito não devem ser violadas. Ao tentarmos fazer uma ultrapassagem, devemos fazer as seguintes perguntas: Por quê? Para quê? Há razão suficiente para isso?

Local proibido

O quinto erro estrutural que caracteriza uma ultrapassagem forçada é tentar ultrapassar em local proibido. Grande quantidade de pessoas foi mutilada espiritualmente e/ou fisicamente por tentarem ultrapassar em local proibido. Aqui não estamos questionando a legitimidade de se fazer ultrapassagens, pois isso faz parte do projeto divino e do dever humano. Estamos advertindo que fazer uma ultrapassagem em local proibido geralmente termina em tragédia. Aguarde! Não se precipite e não coloque em risco o futuro de prosperidade que Deus tem para você. Ultrapasse com segurança, no momento exato, no local permitido.

Ultrapassar ou forçar ultrapassagem aqui foram postos como estruturas porque nos permitem extrair lições pedagógicas da nossa carreira bidimensional. Somos cidadãos do Reino de Deus. Temos uma só fé, um só batismo. Temos um só e mesmo Deus; temos um só e mesmo Senhor. Pleiteamos morar no mesmo e único Céu. Ora, para este mundo, nada trouxemos (1 Timóteo 6.7), e dele nada podemos levar, exceto nossas boas ações (Apocalipse 14.13). Uma ultrapassagem mal feita geralmente termina em tragédias: mortes físicas, mortes espirituais, sequelas, ódio, rancor, amarguras, cismas, dores, perdas irrecuperáveis, sepultamento de projetos revelados por Deus etc. Mas, nós somos um e o mesmo corpo místico de Cristo. Somos cidadãos do Reino do amor, do Reino do perdão, do Reino da unidade, do Reino da vida. Ouçamos, pois, as palavras do Senhor através de Moisés: “Fala aos filhos de Israel que retrocedam. Procedendo-se assim a carreira não será em vão. Amém”.

Por, Francisco Gonçalves.

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