Entendimento sobre a culpa dos erros recaírem sobre os outros

Entendimento sobre a culpa dos erros recaírem sobre os outros

Considerando as referências a seguir, como entender a questão do filho ser castigado pelo erro do pai ou vice-versa (Deuteronômio 24.16; Ezequiel 18.20; 2 Crônicas 25.4; Êxodo 20.5; Deuteronômio 5.9; Romanos 5.12)?

Olá, caríssimo leitor do MP! Que a Paz do Senhor encha seu coração de sabedoria e  entendimento. Sobre seu excelente questionamento, vamos lá: respondendo de modo objetivo e direto uma questão colateral que pode derivar de sua indagação – e quem sabe até ser o problema de fundo dela, é importantíssimo destacar, em primeiro lugar, que, em hipótese alguma, textos como os que você apontou – somando-se a estes outros ainda (Êxodo 34.7; Números 14.18; Jeremias 32.18; Lamentações 5.7) – fundamentam uma “doutrina” da maldição hereditária. Como você já indicou, temos bem claro nas Escrituras a responsabilização pessoal com relação às ações individuais (Números 32.23; 2 Reis 14.6).

Como então harmonizar esses dois conjuntos de textos – e que foi, de fato, a sua pergunta formulada? A resposta passa pela necessidade de compreensão do contexto histórico – cultural do povo de Israel, para que assim façamos uma leitura do texto sem anacronismos, isto é, sem tentar impor valores modernos/contemporâneos sobre um texto antigo. Com isso, desejo esclarecer que é necessário despir-nos de uma leitura jurídico-individualizadora desse texto – como se ele tivesse sido escrito depois da Revolução Francesa, ou seja, de um movimento histórico que acentuou as liberdades e deveres individuais na história ocidental – e aplicarmos uma interpretação que privilegie os conceitos de recompensa e responsabilidade coletivas.

Lembremo-nos da grande finalidade literária do Pentateuco, qual seja, a  construção/apresentação de uma causalidade intencional que justifique a bênção de Deus sobre o povo de Israel. Todas as grandes promessas contidas nos cinco primeiros livros da Bíblia, apesar de serem anunciadas a indivíduos, têm sempre repercussão coletiva: o mandato cultural é para a humanidade (Gênesis 1.26); a descendência da mulher verá a vitória sobre a serpente (Gênesis 3.15); a aliança entre Deus, Noé e sua posteridade (Gênesis 9.9,10); o pacto entre Abrão e sua descendência futura (Gênesis 12.1-3; 15.1-21) etc. Naquela cultura, ainda que injustiças sociais e degenerações comunitárias possam ser praticadas por indivíduos, elas são sempre sintomas de uma decadência coletiva. Numa estrutura social em que não há Estado e a família é o centro significante daquele mundo, a responsabilização coletiva – familiar ou comunitária – deve ser entendida como uma expectativa natural.

Se a longevidade é uma bênção mais que evidente nas Escrituras (Salmos 128.6; Provérbios 17.6), o sofrimento de filhos, netos, bisnetos e demais descendentes deve ser entendido como uma colheita amarga para aqueles que viverem de modo inconsequente. Se o patriarca é a figura de poder central nessa sociedade, é mais que natural que sua prole siga seus mesmos passos e escolhas. Dessa forma, o risco de apagamento de sua descendência é a maior maldição que alguém experimentará nesse contexto histórico.

Por fim, mas não menos importante, é necessário lembrar – como nosso leitor fez, lembrando Romanos 5.12 – que estes textos apontam para consequências oriundas do pecado estrutural que contamina a humanidade. Todos os textos citados (Êxodo 20.5; Deuteronômio 5.9) tratam a iniquidade dos pais sempre no singular, denunciando, assim, ou a abominável e contagiosa idolatria que é o tema desses textos ou ainda a condição pecaminosa fundamental que a humanidade carrega como gênero – assim como aponta-nos Paulo em Romanos.

Neste último caso, o problema nem seriam “pecados” – no plural – dos pais, mas “o pecado” – no singular – que contamina toda humanidade, mas que foi abolido pelo Cristo que carregou todas as nossas dívidas. Não se culpabilize pelo pecado alheio. Viva a Salvação!

Por, Thiago Brazil.

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