A serpente de Gênesis 3 é literal?

“A serpente descrita em Gênesis 3 foi uma personagem real ou uma figura de linguagem para ilustrar o mal?”

Muitas interpretações têm sido dadas a essa serpente. Alguns pensam que ela é apenas uma alusão a Satanás, entretanto a condenação feita à serpente inclui o animal (rastejar). Outros defendem que, como esse relato é um mito, a serpente simboliza a maldade oposta ao Criador; por outro lado, as Escrituras se referem a esse evento como fato. Outros preferem supor que à serpente é de fato um animal que teria sido possuído por Satanás. Arno Clement Gaebelein defende essa posição: “É evidente que essa criatura não era, então, um réptil, como a serpente de hoje. À maldição da serpente a coloca no pó. Esta criatura que Satanás possuía era talvez ainda mais bonita, de modo a ser de grande atração para a mulher”.

Essa é a forma mais simples de compreender o texto e a interpretação mais provável: a serpente era, de fato, um animal que foi possuído por Satanás. O termo hebraico “nachash” significa basicamente “serpente”, e é utilizada cerca de 54 vezes em todo o Antigo Testamento. Todas as ocorrências desse termo nesse capítulo fazem referência ao animal com quem Eva inicia uma conversa em Gênesis 3.1. O termo empregado pela Septuaginta para serpente é “ofis”, que Paulo usa para aludir a esse evento em 2 Coríntios 11.3. Esse termo no Novo Testamento é usado tanto literalmente quanto com sentido figurado, como, por exemplo, na ocasião em que Jesus chama os fariseus de víboras (Mateus 23.33). Do mesmo modo que seu cognato hebraico, apenas poucas vezes o sentido do tempo é positivo (Salmos 54.4-5; Eclesiastes 10.11; Jeremias 8.17).

Quanto à sugestão de se interpretar Gênesis 3 figurada ou simbolicamente, trata-se de algo muito sério, já que Gênesis 3 é parte importante daquilo que fundamenta a Teologia e a Antropologia judaico-cristãs.

Algumas características da serpente nos são dadas pelo próprio capítulo em apreço. Tanto o versículo 1 quanto o versículo 14 colocam a serpente entre os animais que Deus havia criado. Essa mesma ideia (de que a serpente do texto é um animal) é reforçada quando lemos as condenações que Deus lança sobre a mesma: ela rastejará sobre o seu ventre (é exatamente isso que ela faz até os nossos dias); ela comerá pó todos os dias da sua vida (sua cara está sempre no pó da terra, dada a sua própria anatomia); ela será inimiga da mulher e de seu descendente (os seres humanos detestam serpentes); um descendente da mulher ferirá a cabeça da serpente e a serpente ferirá o calcanhar do descendente da mulher (o único lugar onde um golpe é letal numa serpente é a cabeça, mas ao tentar matá-la, muitos são feridos no calcanhar). As autoridades rabínicas interpretam literalmente dessa forma o texto de Gênesis 3 há milênios. Eles creem na literalidade de Adão e Eva, na árvore do conhecimento do bem e do mal e de seu fruto, mas creem também na literalidade da serpente, e assim como todas as condenações sobre o homem e a mulher são literais para eles, também o são as condenações sobre a serpente.

Eis um problema hermenêutico que poucas pessoas enfrentam: Não é possível, dentro de um mesmo relato, tomarmos alguns personagens como literais e outros como simbólicos ou figurados. Se Adão e Eva são literais, também o são a árvore do conhecimento do bem e do mal, seu fruto, a serpente e sua condenação. Tanto no Anti£go Testamento como no Novo Testamento, Adão e Eva são tratados como personagens históricos e literais. Até mesmo a serpente é tomada literalmente por Paulo (2 Coríntios 11.3). Por outro lado, se devemos interpretar Gênesis 3 literalmente, também não poderia ser possível dizer que a serpente é Satanás pelo simples fato de que o texto não diz isso. Assim como também não poderia ser possível dizer que esse “descendente” é Jesus pela mesma razão. Porém, Apocalipse 12.9 e 20.2 mudam um pouco isso. Nesses textos, Satanás é chamado de “antiga serpente”, em referência a Gênesis 3. Logo, vendo o texto dessa maneira, o descendente da mulher é Jesus, que vence Satanás com a Sua morte na cruz do Calvário.

Por, Sérgio Pereira.

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