Se Jesus sabia que Judas era “um diabo” (João 6.70), por que o escolheu por apóstolo?
No ficto romance “Eu, Judas” (1977) baseado supostamente num antigo manuscrito preservado pelo monge egípcio cristão Ibérias (500 a.D.), Taylor Caldwell narra a trajetória heroica de Judas-bar-Simão, vulgo, Judas Iscariotes, filho de Lea-bas-Ezequiel, cujo tio era um respeitável membro do Sinédrio. Na obra, Judas se envolve na sórdida trama elaborada por Gamaliel, Anás e Caifás e, deste modo, como alguém que fora levado ao talante das circunstâncias, mas que preservava a ingenuidade dos objetivos chauvinistas, e a esperança de que Jesus se defendesse daqueles que o procuravam matar, Judas inclina-se e oscula o Mestre na face, entregando-o à soldadesca. Mais tarde, descontente com o fechamento infeliz da trama, ele explica suas causas e motivações: “...eu queria ver Jesus desafiado, para poder enfrentar os romanos e triunfar sobre eles, e no entanto eu não tinha desejo algum de ser traidor, mesmo inocentemente.”
Todavia, deixando o lendário para o histórico, e o ficto para o real, os Evangelhos esboçam um intrigante perfil de Judas (forma greco-latina de Judá). Ele era filho de Simão (João 6.71; 12.4); um dos Doze, apesar de ser listado por último e sempre com a efígie de “traidor” (Mateus 10.4; Marcos 3.19; Lucas 6.16; João 6.71; 12.4); tesoureiro e ladrão (João 12.6); e “diabo” (João 12.70). Os Sinóticos ainda narram a negociação com o Sinédrio (Mateus 26.14-16; João 11.56-57), a atitude desconfiada na Ceia, e a traição (Mateus 26.25, 48-50). É óbvio que os evangelistas somente se deram conta dessas questões depois da traição, porque se tivessem consciência clara desses fatos, sem dúvida, não teriam permitido que Judas saísse da Ceia para entregar Jesus, como relata João 13.21-28. A interpretação dos fatos após os acontecimentos permitiu que Mateus empregasse o termo “Rabi” (Mateus 26.49), usado por Judas, como palavra-chave na boca dos adversários do Messias, por todo o evangelho mateano (Mateus 8.19; 9.11; 12.38; 22.16, 24,36). Possivelmente, a ideia dos evangelistas ao apresentar o caráter malévolo de Judas era demonstrar que ele não era de fato regenerado ou que, no percurso, sua fé no Messias vacilou, sem que ele se arrependesse da traição.
Quanto ao chamamento de Judas, Lucas informa que antes de chamar os Doze, Jesus “passou a noite em oração a Deus” (Lucas 6.12). Isso significa que não houve qualquer equívoco da parte de Jesus ao escolhê-lo. Como se sabe, os discípulos proviam de ideologias partidárias diferentes e até mesmo revolucionárias, como no caso de um deles, que era zelote. Jesus, porém, amou aqueles que escolhera até o fim (João 13.1), e ainda na traição o Senhor chama Judas de “amigo” (Mateus 26.50), e ordena o amor ágape entre os apóstolos. Contudo, há um aspecto teológico que transcende o próprio evento. Na oração sacerdotal, Jesus afirma que havia “guardado” aqueles que o Pai o havia entregue, com exceção do “filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse” (João 17.12 ver Salmos 41.9; 69.8; 109.8). Temos assim um problema teológico que envolve conceitos como a predestinação, o livre-arbítrio e o determinismo. Seja como for, Judas poderia se arrepender, como Pedro, mas não o fez. Também poderia resistir ao mal, mas como Caim, escolheu cumpri-lo e perder-se na própria maldade.Por, Esdras Costa Bentho.
Se este artigo foi útil para você compartilhe com seus amigos.
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante