As figuras do soldado, do atleta e do lavrador, usadas pelo apóstolo Paulo em sua carta a Timóteo, espelham claramente o significado bíblico de disciplina
Acerca do tema da disciplina, é preciso deixar entendido, primeiramente, que a palavra disciplina, não é nada parecido com um atirador de elite, que espiona ocultamente 24h/dia, pronto para atacar fatalmente, diante de qualquer movimentação que facilite seu alvo. Nada disso. A disciplina formata o ser humano para um desempenho mais eficiente em todas as esferas da vida, assim como o redator se esmera para tornar seu texto mais claro e organizado, a fim de comunicar sua mensagem com mais dinamismo. Para isso, ele se utiliza do tipo de letra, tamanho, espaçamento, alinhamento, palavras e verbos fortes etc. Achei interessante a abrangência da palavra “formatar” porque ela se aplica igualmente para redefinir um dispositivo (um computador ou celular, por exemplo) ou para fazer uma reinicialização forçada.
Paulo se utiliza das guras do soldado, do atleta e do lavrador,
ao chamar a atenção do jovem Timóteo, um cristão em formação e candidato ao
ministério pastoral. Estas três figuras espelham claramente o mais perfeito
significado da palavra disciplina.
Observe que o soldado é disciplinado através das aflições de
um treinamento, para aprender sobre resistência e perseverança, visando ao enfrentamento
das agruras absurdas e violentas de uma guerra. O atleta se submete
voluntariamente à disciplina no cumprimento de um treinamento rigoroso, para obter
pleno êxito nas competições. E quanto ao lavrador? À semelhança do soldado e do
atleta, ele precisa ter disciplina para esperar com paciência e perseverança o tempo
adequado para colher os frutos da sua semeadura, depois de um longo e penoso
período de plantação. Estas perspectivas nos remetem para o entendimento mais
objetivo sobre o tema deste artigo: a submissão e o serviço.
Jesus era submisso aos Seus pais
“E desceu com eles para Nazaré; e era-lhes submisso. Sua mãe,
porém, guardava todas estas coisas no coração” (Lucas 2.51, ARA). Esta palavra
“submisso” no original se refere a um termo militar grego que significa “organizar
em uma moda militar sob o comando de um líder, ou submeter-se ao controle de
alguém” (Bíblia de Strong). Esta sujeição e plena obediência de Jesus certamente
é uma referência também ao trabalho que realizava no ofício de carpinteiro ao
lado do pai adotivo.
Não há nenhuma sugestão, por mais leve que seja, que Jesus demonstrasse
algum sentimento de independência de Seus pais, ou jamais o percebemos resmungando
contra quaisquer restrições comuns às famílias. Isso quer dizer que ele recebia as tarefas que lhes eram mandadas e as executava perfeitamente,
sem contradizê-las.
Quão grande exemplo é transmitido pelo Senhor Jesus aos filhos,
na qualidade de cristãos – como o próprio nome indica, os verdadeiros
seguidores de Cristo. Nada mais é tão louvável quanto a pronta obediência às
instruções dos pais.
Seja feita a Tua vontade
Do ponto de vista bíblico, a ideia de submissão e obediência
está frequentemente associada à vontade de Deus e ao relacionamento do ser humano
com Ele. Tem tudo a ver com a prática da oração ensinada por Jesus: “Venha o
teu Reino. Seja feita tua vontade, tanto na terra como no céu” (Mateus 6.10).
Quando eu faço esta oração com sinceridade, é, no mínimo, óbvio que desejo
praticar seu cumprimento na minha vida. Que o Reino de Deus seja estabelecido
no meu coração e que Sua vontade seja a regra áurea do meu viver diário. Quando
oro “Venha o teu Reino”, o que, de fato, estou desejando? Se quiser apenas me aventurar
para saber como é e como funciona esse Reino, sob o comando de um novo rei,
para depois decidir se aceitarei ou não, isso significa que minha oração não é
legítima. Ora, se rogo para esse Reino vir ao meu encontro, é porque estou fora
dele. Para que esta petição seja atendida é necessário que algumas condições
sejam estabelecidas. É indispensável a aceitação das condições desse Reino, e é
indispensável conhecer o novo Rei que dominará todo meu modus vivendi, ou,
caso contrário, poderei sofrer as sanções devidas, ou sequer entrar nele.
Mas, somente orar “Venha o teu Reino” é o bastante? Não é necessário
fazer nada mais? Primeiro, observe que, ao fazer esta oração, eu já devo estar
em estado de plena submissão. Segundo, ao viver sob as bênçãos desse Rei, vamos
desejar que amigos, parentes e vizinhos venham, igualmente, para este Reino. Isso
é serviço! Nosso grande trabalho é a evangelização. Não podemos converter as
pessoas pela força, mas podemos evangelizar e fazer Cristo conhecido a todos os
habitantes desta Terra. A obra missionária não é como qualquer outra obra – mera
causa e efeito naturais. Está em um nível mais elevado. É diferente de todos os
empreendimentos comuns. É o próprio poder de Cristo para fazer Sua própria obra
para Sua própria glória. É o Rei, o Rei dos reis, armando Seu direito e
potentado, e assumindo Seu Reino. Onde? Nos palácios ricamente mobilados? Em
algum lugar desta terra desgastada? Não. Esse Reino será estabelecido nos
corações dos homens, porque ele não precisa de espaço físico construído pelas
frágeis mãos humanas, muito menos por materiais paupérrimos que temos por aqui.
Os materiais do Reino dEle são infinitamente superiores!
Mas, como é feita a vontade de Deus no Céu? Como os seres angelicais
O servem? Onde está registrado no Livro Sagrado que algum ser angelical se
recusou a obedecer à vontade de Deus? Pelo contrário, os seres celestes, diferentemente
da maneira relutante como nos comportamos diante dos propósitos divinos, o fazem
com prazer e sem questionamentos, ainda que recebam missões desconfortáveis, como
foi a expulsão do ser humano do paraíso, por exemplo. No Céu, portanto, a vontade
de Deus já é e sempre será feita; na Terra, todavia, esta vontade sofre grave resistência, devido à dureza
dos nossos corações, muitas vezes dominados pelo pecado.
Pode-se afirmar que a soberana vontade de Deus é feita por
nós quando nossas vontades estão submissas à dEle; quando nos submetemos paciente,
alegre e voluntariamente a todos os Seus propósitos, quer sejam claros ao nosso finito
entendimento ou obscuros em relação ao futuro.
Exemplo clássico de submissão e serviço
Um dos exemplos mais clássicos de submissão e serviço foi mencionado
pelo Mestre, quando colocou a grandiosidade da fé de um centurião romano como
exemplo, algo jamais visto na história do povo semita. O Mestre exclamou, maravilhado: “Nem em Israel encontrei tanta fé” (Mateus 8.10). O motivo do
espanto de Jesus foi a disposição do centurião em crer que somente uma palavra
seria suficiente para curar seu criado doente, sem haver necessidade de sua
locomoção física até sua casa, por que ele se achou indigno de receber Jesus
“embaixo do meu telhado” (Mateus 8.8). O centurião complementou seu argumento
(e Jesus, como bom comunicador, gosta que argumentemos com Ele) ao referir-se à
disposição de serviço e submissão de seus soldados “às suas ordens; e digo a
este: vai, e ele vai; e a outro, vem, e ele vem; e ao meu criado: faze isto, e
ele o faz” (Mateus 8.9). Ao fazer menção do criado obediente, certamente ele se
referia àquele criado doente, prestes a receber a cura.
Observe que a submissão em ir, vir e agir está relacionada diretamente
à disposição ao serviço, à obediência e continência ao comando. Lembra da figura
do soldado citada pelo apóstolo Paulo a Timóteo? Lembre-se que Paulo não se
refere simplesmente a qualquer soldado (2 Timóteo 2.3). Não. Ele se refere ao “bom
soldado”, para destacar que, como acorre em todos os segmentos da sociedade, há
os bons, aprovados, e os péssimos, desqualificados. A forma como o centurião se
refere ao criado indica considerável afeto. Não por acaso, ele se refere ao
servo como “meu criado” por três vezes (Mateus 8.6,8,9). Não era comum, naquela
época, uma autoridade tratar seus subalternos com reconhecida atenção. Com
certeza esta atitude contribuiu para deixar o Mestre maravilhado!
Não por acaso, o apóstolo Paulo exorta àqueles cristãos de
Éfeso que são assalariados e servos com um imperativo decisivo: “Vós, servos, obedecei
a vosso senhor segundo a carne” (Efésios 6.5). Interessante que o destaque dado
pelo apóstolo aos servos é diferente da exortação recomendada aos filhos (Efésios
6.1-3), aos pais (Efésios 6.4) e aos senhores, os patrões (Efésios 6.9). Note
que, para estes, a recomendação é sucinta; porém, para os servos, é mais ampla,
bem mais detalhada. Seria, meramente, por causa do “temor e tremor”, exigido
pela severidade da lei romana?
Sim, também. Primeiro, esses termos (“temor e tremor”)
faziam parte da base da explicação, mas a continuação do texto mostra o outro
lado da situação, vista mais pelo lado da devoção do que pela simples obrigatoriedade
forçada pelo medo do cumprimento da lei. Segundo, o “temor e o tremor” estão claramente
explicados que devem ser executados “na sinceridade de vosso coração” (Efésios
6.5), sem superficialidade, sem hipocrisia, sem fanatismo ou mero servilismo. Terceiro, todo trabalho deveria ser feito “não servindo à vista, como para agradar
aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus”
(Efésios 6.6). Quarto, “servindo de boa vontade” (Efésios 6.7). Esta expressão
indica um trabalho feito com esmero, alegria e abnegação. Quinto, todo esse
conjunto de atividades deveria estar vinculado às recompensas futuras: “sabendo
que cada um receberá do Senhor todo o bem que fizer, seja servo, seja livre”
(Efésios 6.8), com um generoso acréscimo, de que tais recompensas serão recebidas
diretamente “do Senhor”. Aqui está o conforto que jamais deveria ser esquecido:
se vem do Senhor, logo é perfeito, é justo, é infalível.
Deixei para mencionar aqui, no final deste comentário o que
foi citado por Paulo aos efésios, que estão destacadas algumas expressões de não
pequena importância, que são a chave para o entendimento inequívoco deste tema sobre
submissão e serviço: primeiro, trata-se da obediência “como a Cristo” (6.5); e segundo,
“servindo de boa vontade”, e esta boa vontade – aproveito para destacar uma vez
mais – deve ser “como ao Senhor” (Efésios 6.7). As expressões “como a Cristo” e
“ao Senhor” têm boas implicações teológicas: a expressão “Cristo” tem a ver com
o Messias, nosso Rei; e a expressão “Senhor” tem a ver com o senhorio, com o proprietário
de tudo e de todos – no dizer de Paulo, o “Deus, de quem eu sou e a quem sirvo”
(Atos 27.23).
Na parábola dos talentos
Outro bom exemplo de serviço e submissão é citado por Jesus
na Parábola dos Dez Talentos (Mateus 25.14-30), quando três servos foram
comissionados para negociar com os bens do senhor feudal. O enredo da história passa
pelos dois primeiros servos que negociaram com absoluto sucesso, com uma produção
de 100%. O deprimente da história é o posicionamento do terceiro servo, que demonstrou
uma hipocrisia desmedida, ao confessar seu equívoco quanto ao conceito que
nutria em relação ao seu senhor. É claro que se tratava de um conceito redondamente
equivocado pelo fato de estar baseado no medo: “E, atemorizado, escondi na
terra o teu talento” (Mateus 25.25). A sequência dos fatos é a seguinte: o medo
deu lugar à desobediência; a desobediência, à negligência ao serviço; e esta, à
insubmissão. Parece até uma fórmula matemática: medo + desobediência +
negligência = insubmissão.
A lição principal desta parábola é que toda insubmissão tem
como base o medo. Diferentemente do ensino de Paulo aos efésios, ao terceiro servo,
que foi classificado como “mau e negligente” (Mateus 25.26), ocorreram os
seguintes quesitos:
1. Falta de sinceridade.
2. Serviço feito com hipocrisia.
3. Tendência de buscar o elogio dos homens. Mera bajulação.
4. Serviço sem visar a recompensas futuras.
5. Servindo meramente aos homens e jamais ao Senhor.
Quais dos pontos acima têm a ver com a submissão e o
serviço? Todos, simplesmente.
O serviço do cristão deve estar relacionado à gratidão
O servo do centurião, curado por Jesus, oferece-nos um
exemplo relevante no entendimento deste tema. Aqui, o serviço não nos é apresentado
como lei obrigatória ou único meio de sobrevivência. Não. Há implicações mais elevadas.
Neste caso, como já visto antes, o servo tinha plena convicção que seu senhor,
o centurião romano, o tinha em alta consideração. Logo, não é difícil imaginar que
todo serviço prestado estava relacionado à gratidão que esse servo tinha por
seu senhor.
Nosso serviço para Deus, jamais deve ser visto como forma de
compensação pelo preço do nosso resgate na cruz do Calvário. Por mais intenso
que seja esse serviço, em termos de tempo ou importância, jamais poderemos recompensar
a Deus este valor, pois é incalculável. O serviço cristão que devotamos ao
Senhor é parte da prática da nossa fé e a confirmação do que entendemos das Sagradas
Escrituras. Jesus deixou clara a importância dessa prática e o quanto ela é
valorizada nos céus, quando o mencionou em um dos últimos julgamentos que haverá
para a humanidade, no final dos tempos (Mateus 25.31-46).
Ele disse que haverá recompensas no seu Rei no aos que agirem
conforme a Sua expectativa em relação ao trabalho que houvermos realizado: “Então,
dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por
herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque
tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro,
e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive
na prisão, e fostes ver-me. Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor,
quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de
beber? E, quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos?
E, quando te vimos enfermo ou na prisão e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes
dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos,
a mim o fizestes” (Mateus 25.34-40).
Note que a recompensa aos justos estava relacionada a
serviços relativamente simples, como alimentação, hospedagem, vestimenta e
assistência aos enfermos e encarcerados. O mais interessante é que os justos realizaram
todos esses tipos de serviço sem perceberem que se tratava de uma obra altamente
valorizada nos céus, por isso o espanto diante do reconhecimento do Senhor,
quando concluiu Seu julgamento armando que o serviço não fora feito
simplesmente ao faminto, ao sedento, ao mendigo, ao doente ou encarcerado. Não!
Fora feito diretamente para Ele, o Rei!
Ora, o Rei jamais precisaria desse tipo de favor. Você já
ouviu falar de algum rei pobre, mendigando favores? Um rei mendigo tem sua
realeza sob suspeição, por isso os justos ficaram espantados. Outro maior
motivo do espanto foi saber que o serviço feito não era a favor do justo, mas a
favor do injusto necessitado! É raro ouvir no noticiário de um justo
encarcerado, a não ser que haja injustiça, ou equívoco.
Por outro lado, o grupo da “esquerda” (Mateus 25.41), que não
praticou os mesmos princípios dos justos, recebeu outro tipo de recompensa. Esse
grupo também ficou espantado pelo fato de acharem que aquele serviço era simples
demais ou não tinha valor algum. Logo, para obter pleno êxito na submissão e
serviço cristão, é necessário agir com a coragem e a disposição de um soldado;
a persistência e a determinação de um atleta; e a paciência e perseverança de
um agricultor. A resiliência se aplica aos três exemplos.
por Cyro Mello
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