Dorcas: entrelaçando relacionamentos e esperanças

Dorcas: entrelaçando relacionamentos e esperanças


As mulheres da Bíblia possuem narrativas encantadoras e inspiradoras. Temos uma dessas belíssimas descrições na vida de Dorcas, relatada em Atos dos Apóstolos, cujo fruto da fé se transforma em virtude. Ela era alguém que costurava. Dorcas morava na cidade litorânea de Jope, que servia de porto para Jerusalém. A cidade vivia lutos constantes devido aos perigos de seu porto natural. Ela socorria mulheres que haviam perdido seus maridos devido nos trajetos marítimos e se encontravam em situação de vulnerabilidade.

Jope era o único porto natural em toda a área que distava entre o Egito e Ptolemaida. Possuía um cabo rochoso que se projetava mar adentro. Essa formação rochosa natural tinha como sua maior elevação cerca de 38 metros. Havia ainda recifes que formavam um semicírculo malfeito, localizados cerca de 920 metros distantes da praia (CHAMPLIN, 2018, p. 889). Ainda hoje a baía é considerada muito perigosa para a marinha mercante moderna, e não é muito usada atualmente (PFEIFFER, 2007, p. 1085). Na época, as questões sociais envolvendo as mulheres viúvas eram delicadas e se agravavam no Império Romano. Dorcas prestava assistência e acolhia mulheres viúvas fazendo-lhe túnicas.

É interessante o modo como encontramos Dorcas nas Escrituras. Ela não aparece ensinando, pregando ou aconselhando da maneira que estamos acostumados a ver. Dorcas surge fazendo tudo isso de forma diferente: costurando, trabalhando em silêncio e transbordando de amor. Fez de uma simples agulha um instrumento poderoso para o exercício do seu dom. Realizou um trabalho extraordinário.

Interessante a preocupação de Lucas, escritor de Atos, em fazer o trânsito do nome dela em dois idiomas diferentes. Tabita é um nome aramaico que ele traduziu como “Dorcas” no texto grego. Significa “gazela”, “um nome feminino de tratamento carinhoso tanto entre os judeus como entre os gregos” (PFEIFFER, 2007, p. 1876). Essa mulher de fé, apenas com uma agulha e linhas em suas mãos, alcançou pessoas de diferentes nações. Ela foi importante para pessoas de nacionalidades e línguas diferentes ao desenvolver serviços devotados a Deus e ao próximo nessa região portuária que vivia situações de luto contínuo devido aos naufrágios. A única vez em que a palavra “discípulo” aparece no Novo Testamento no gênero feminino é em Atos 9.36: Dorcas é chamada mathétria (discípula) (BAILEY, 2016, p.194). Esse termo é uma forma feminina rara, pois as mulheres eram excluídas da educação organizada, tanto na Grécia como entre rabinos. Mas, no Novo Testamento, ele é aplicado a Dorcas (KITTEL, 2013, p.624).

Dorcas era uma mulher que possuía a mente de Cristo, por isso raciocinava conforme as categorias do que Ele ensinou acerca da vida, fazendo da cidade onde morava um verdadeiro campo missionário.

Pedro estava nas regiões costeiras quando os discípulos de Jope enviaram dois homens a Lida, pedindo que fosse ter com eles. Dorcas havia adoecido e veio a falecer, mas deixou um rastro de bondade ao passar pela vida de outras mulheres (At 9.32-10.48). É assim que encontramos seu nome: costurado a um relato importante sobre o Reino de Deus. Sua relevância era tamanha que a comunidade chorou sua morte. Dorcas viveu vestida de amor durante sua vida (Cl 3.12) e agora, que havia morrido, era lembrada como alguém que amou a Deus e seu povo por meio de ações e não só de palavras. Um amor demonstrado por atitudes práticas. Em sua sensibilidade para enxergar outras pessoas, investia seu tempo e ministério fazendo túnicas e vestidos a viúvas carentes.

Pedro acompanhou os discípulos até a casa onde estava o corpo de Dorcas. As viúvas o cercaram mostrando-lhe as roupas que ela havia confeccionado com suas mãos. Após dispensar todos, Pedro ajoelhou-se, orou e, voltando-se ao corpo, na autoridade do nome de Jesus, disse: “Levanta-te”. Pedro apresentou-a viva aos que choravam.

Encontrar-se com Dorcas nas Escrituras é extremamente desafiador. Entre as provocações que a vida dela nos incita está o ensino de que são o amor e os relacionamentos que dão sentido à vida. Nela, encontramos manifestações de fé que se expressam através do acolhimento e da valorização do significado do encontro humano na assistência social e no amor ao próximo, verdadeiros tesouros da vida. Enquanto costurava roupas para viúvas necessitadas, Dorcas ia entrelaçando convivências e suturando as esperanças puídas e rasgadas pela dor de perdas. Vestida de misericórdia e bondade, Dorcas se movia no Reino de Deus com agulha e fios em suas mãos. É com essa ferramenta que ela, através do serviço, cuidou de pessoas e realizou importante transformação social em Jope. Através do exercício dos dons e uso de ferramentas simples, temos o desafio de trançar relacionamentos enquanto trabalhamos na urdidura de esperanças na vida das pessoas sofridas que passam por nós. Chama atenção a bondade de Dorcas, dos crentes e, principalmente, a bondade de Deus: Deus foi glorificado. Somente Ele tem poder para ressuscitar. A fé foi divulgada. Muitos creram no Senhor. O povo ficou feliz. Dorcas estava viva! (GEORGE, 2001, p.316). A bondade é uma manifestação do fruto do Espírito (Gl 5.22). Uma mulher de fé, a exemplo de Dorcas, recusa a viver indiferente à carência humana que enxerga na sociedade de seu tempo. Mas, isso só é possível quando a manifestação do fruto do Espírito está enlaçada no exercício dos nossos dons.

Referências

BAILEY, K. E. Jesus pela ótica do Oriente Médio: estudos culturais sobre os Evangelhos. São Paulo: Vida Nova, 2016; CHAMPLIN, R. N. Novo Dicionário Bíblico: ampliado e atualizado. São Paulo: Hagnos, 2018; GEORGE, Elizabeth. Mulheres que amaram a Deus: 365 dias com as mulheres da Bíblia. Campinas: United Press, 2001; KITTEL, Gerhard; FRIEDRICH, Gerhard. Dicionário teológico do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2013; PFEIFFER, C. F; VOS, Howard F.; REA, John. Dicionário Bíblico Wycliff. Rio de Janeiro: CPAD, 2. Ed. 2007.

por Izabel C. V. Mello

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