Santificação Total: a vitória definitiva contra o pecado

Santificação Total: a vitória definitiva contra o pecado


Já na eternidade, o crente será plenamente restaurado em sua perfeição original, perdida no Éden, após o advento do pecado

As Escrituras apontam que a finalidade da nossa Eleição em Cristo é propiciar uma vida nova aos eleitos, isto é, para sermos “santos e irrepreensíveis diante dEle” (Efésios 1.4b). O vocábulo grego hagios (santo), no aspecto espiritual, significa “separado do pecado” (1 Pedro 1.15-16). O adjetivo grego amõmos (irrepreensível) expressa algo “sem defeito” ou “inculpável” (Filipenses 2.15). Os termos apontam para a santificação, isto é, para o mais alto padrão ético e moral de vida a fim de agradar a Deus, que nos elegeu (Efésios 5.1-3).

As Escrituras Sagradas ensinam que Deus é “Santo”: Ele é o “Santo de Israel” (Isaías 1.4); “Deus, o Santo” (Isaías 5.16); e o Seu nome é “Santo” (Isaías 40.25; 57.15). Portanto, o Deus “Santo” requer que Sua criação ande em santidade (1 Pedro 1.15,16). O atributo comunicável de Deus da santidade é concedido a todos os que verdadeiramente são regenerados. Desse modo, o salvo precisa ser santificado pelo Espírito Santo (1 Pedro 1.2).

Nessa perspectiva, apresentamos abaixo a definição bíblica para o pecado; a condição de depravação humana; a conceituação do termo santificação; o processo de santificação do cristão; os erros do antinomianismo, do legalismo e do falso moralismo; bem como a erradicação final do pecado na vida do crente salvo.

Definição de pecado

No Antigo Testamento, a mais importante expressão hebraica para referir-se ao pecado é o conjunto de palavras representado por chatta’th, que possui o sentido básico de errar um alvo ou um caminho (Gênesis 4.7; Provérbios 19.2).(1) No grego do Novo Testamento, o principal termo para designar o pecado é hamartia, que possui conotação de “erro moral” (2 Pedro 2.13,14). Essa palavra aparece cerca de 300 vezes com o sentido de errar o alvo propositalmente.

Nesse aspecto, Millard J. Erickson arrazoa que “esse pecado é sempre contra Deus, visto que não se atinge a marca que Ele estabeleceu, seu padrão de amor e obediência perfeitos devido a Ele”.(2) Além disso, a Bíblia Sagrada disciplina: “Quem comete pecado, comete iniquidade; porque o pecado é iniquidade” (1 João 3.4). Nesse contexto, a palavra “iniquidade” ou “ilegalidade” significa uma atitude de rebelião geral contra os mandamentos de Deus.(3) Desse modo, abrange não apenas errar o alvo, mas deliberadamente acertar o alvo errado. Trata-se de desobediência intencional contra Deus e a Sua Palavra (1 Samuel 15.22,23).

Em consequência, o pecado afasta o homem de Deus e também o faz pecar contra o próximo. O pecado não é somente praticar obras contra Deus, mas inclui a omissão em praticar o bem (Tiago 4.17). Portanto, pecado é a condição do homem não regenerado, e ele só pode ser expelido por meio do novo nascimento (João 3.3-7). Essa reconciliação do homem com Deus só é possível em Cristo (2 Coríntios 5.19).

A Depravação Total

A doutrina do pecado original está sobejamente registrada nas Escrituras (Romanos 5.12-21; 1 Coríntios 15.21,22; Efésios 2.1-3). Desse modo, sublinha-se que o ser humano foi criado em estado de inocência: não impecável e nem pecaminoso, mas perfeito (Eclesiastes 7.29) e dotado de livre-arbítrio (Gênesis 2.16,17). Porém, o primeiro homem escolheu desobedecer a Deus, e a sua Queda contaminou toda a humanidade (Gênesis 3.9-19; Romanos 5.12).

A partir da Queda, todos os seres humanos nascem em pecado (Salmos 51.5). Assim, o pecado não é passado adiante meramente pela força do mau exemplo, mas é um mal inerente à natureza humana (Romanos 7.14-24). Jacó Armínio salienta que a “abrangência deste pecado [...] não é peculiar aos nossos primeiros pais, mas é comum a toda a raça humana e a toda sua posteridade”.(4) Em consequência, todo ser humano está debaixo da escravidão do pecado e da condenação da morte (Romanos 3.23; 6.23).

Contudo, apesar de corrompida, a natureza humana pode ser eficazmente regenerada pela fé em Cristo (Romanos 3.24; 2 Coríntios 5.17). Porém, em decorrência do pecado de Adão, o homem encontra-se espiritualmente morto e incapacitado de vir a Deus por si mesmo (Efésios 2.1). Significa que, por causa da Queda, todas as áreas de nosso ser foram afetadas. Esse estado de corrupção mental, moral e espiritual da natureza humana é denominado de Depravação Total, ou seja, a inclinação para fazer o errado resultante do pecado original. Essa depravação impede o homem de tomar a iniciativa no processo de regeneração (Romanos 8.7,8).

Por conseguinte, o homem só pode ser liberto do pecado se Deus o buscar primeiro (Filipenses 1.6). Sem a ajuda de Deus, ninguém pode ser transformado (2 Coríntios 5.17; Tito 3.5). Isto significa que o homem não pode dar início ao processo da salvação, pois seu livre-arbítrio precisa ser divinamente restaurado (Romanos 2.4). Por isso, somente ao ser atingido pela graça preveniente (ação divina que antecede a conversão) é que o homem recebe a capacidade de arrependimento e fé. E isso mostra que a fé antecede a regeneração.

Em síntese, o pecado original e a depravação tornaram o homem totalmente incapaz de até mesmo desejar se aproximar de Deus.(5) Mas, por meio da graça preveniente , ele recebe divinamente a capacidade para crer, arrepender-se e ser salvo (Romanos 3.24,25). Portanto, a libertação do pecado não provém de nenhum esforço humano, mas é gratuita e divinamente ofertada (Romanos 6.23; Efésios 2.8,9). Não obstante, na “história da salvação”, a doutrina da santificação faz parte do plano integral de Deus para a humanidade.(6) A salvação e a santificação devem andar juntas na vida do crente.

Conceito de santificação

No Antigo Testamento, a palavra hebraica qadash, traduzida por “ser santo”, possui o significado básico de separação do uso comum para a dedicação a Deus e ao seu serviço.(7) O Novo Dicionário de Teologia leciona que “santificação” é um termo técnico de ritual de culto. Ele apresenta a ideia tanto de limpeza (Êxodo 19.10,14) quanto de consagração e dedicação ao serviço de Deus (Êxodo 19.22; Deuteronômio 15.19; 2 Samuel 8.11; Isaías 13.3). Contudo, o significado de santificação e de santidade se estende para além do ritual, para a esfera moral.(8)

No Novo Testamento, o termo grego mais comum traduzido por “santo” é hagios. No singular, é usado com o adjetivo para descrever Deus e o Seu Espírito. No plural, é empregado como substantivo para referir-se ao povo de Deus.(9) O verbo hagiazo é utilizado no sentido ritual de se separar algo dentre o que é comum para a utilização com propósitos sagrados (Mateus 6.9; João 10.39; 1 Pedro 3.15). A expressão hagnos se refere particularmente à pureza no sentido ético. Em termos gerais, “a obra da santificação é a separação de tudo que é contrário à pureza do Espírito”.(10)

A obra Teologia Sistemática Pentecostal (CPAD) define que santificar é “pôr à parte, separar, consagrar ou dedicar uma coisa ou alguém para uso estritamente pessoal”. Santo é o crente que vive separado do pecado e das práticas mundanas pecaminosas, para o domínio e uso exclusivo de Deus. É exatamente o contrário do crente que se mistura com as coisas tenebrosas do pecado.(11)

O teólogo Antonio Gilberto chama a atenção para aquilo que não é santificação bíblica: (1) Usos, práticas e costumes. Estes últimos, quando bons, devem ser o efeito da santificação e não a causa dela (Efésios 2.10); (2) Maturidade cristã. Não é pelo tempo que algo se torna limpo, mas pela ação contínua da limpeza; (3) Batismo com o Espírito Santo e dons espirituais. Em si mesmos não equivalem à santificação como processo divino e contínuo em nós (Atos 1.8; 1 Coríntios 14.3).(12)

A santificação bíblica tem três aspectos: (1) Posicional: É a santificação completa e perfeita. O crente pela fé torna-se santo “em Cristo” (Efésios 2.6; Colossenses 2.10); (2) Progressiva: É a santificação prática, aplicada ao viver diário do crente. Nesse aspecto, a santificação do crente pode ser aperfeiçoada (2 Coríntios 7.1). Os crentes mencionados em Hebreus 10.10 já haviam sido santificados e continuavam sendo santificados (vv. 10,14-ARA); e (3) Futura: Trata-se da santificação completa e final (Efésios 5.27; 1 Tessalonicense 3.13; 5.23; 1 João 3.2).(13)

Santificação como processo

A santificação é uma “obra progressiva da parte de Deus e do homem que nos torna cada vez mais livres do pecado e semelhantes a Cristo em nossa vida presente”.(14) Significa que viver separado do pecado é um processo mediante o qual Deus purifica os que a Ele se achegam e passam a ser orientados pelo Espírito Santo (1 João 3.3).

Nossa Declaração de Fé leciona que “já salvo e justificado, o novo crente entra de imediato no processo de santificação, pois assim o requer a sua nova natureza em Cristo (Romanos 6.22; 1 Tessalonicenses 4.3)”.(15) Nesse aspecto, a santificação “é uma continuação do que foi começado na regeneração, quando então uma novidade de vida foi conferida ao crente e instilada dentro dele. Em especial, a santificação é a operação do Espírito Santo que aplica à vida do crente a obra feita por Jesus Cristo”.(16)

O Dicionário das Cartas de Paulo arrazoa que o apóstolo “insiste no comportamento e na conduta santa e pura na vida dos fiéis em antecipação da volta de Jesus Cristo, embora não preveja o alcance da perfeição completa nesta vida”.(17) Timothy P. Jenney pondera que, embora os crentes sejam chamados de santos (Mateus 27.52; Romanos 1.7; Efésios 1.1), “o cristão não é necessariamente perfeito, mas alguém que se arrependeu do seu pecado e submeteu-se ao poder purificador do Espírito de Deus. [...] Nenhum crente pode chegar a dizer que está totalmente livre do pecado”.(18) Nesse aspecto, tanto o antinomismo quanto o legalismo e o falso moralismo se constituem graves erros. O antinomismo enfatiza de tal modo a liberdade cristã de condenação pela lei que deixa de salientar a necessidade de o crente confessar constantemente seus pecados e buscar de modo sincero a santificação. O legalismo e o moralismo solapam inevitavelmente a certeza da salvação e enfatizam a responsabilidade cristã a tal ponto que a obediência às normas e a regulamentos passa a ser vista como um elemento constituinte da fé que justifica.(19)

Em oposição a esses extremos, as Escrituras afiançam que a santificação é um processo que vai sendo aperfeiçoado durante toda a jornada do cristão (2 Coríntios 3.18; Filipenses 1.6). Essa obra é realizada pelo Espírito Santo, ela não cessa após a conversão, mas cresce gradualmente e requer a contribuição contínua do crente (2 Coríntios 6.16-7.1; 1 João 3.2,3; Apocalipse 22.11). Significa que temos a responsabilidade de cooperar nesse processo e que o Espírito Santo completará essa obra em nós por ocasião da Segunda Vinda de Cristo (1 Tessalonicenses 3.13). Implica em afirmar que o processo de santificação dura até a nossa glorificação final no Dia de Cristo Jesus (Romanos 8.30).

A vitória final contra o pecado

A doutrina bíblica da glorificação descreve a última etapa de nossa salvação (Romanos 8.23,30). Nesse processo, o pecador é salvo pela graça, justificado pela fé, santificado pelo Espírito e prossegue até que todos cheguemos “a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Efésios 4.13, ACF). Em nossa trajetória cristã, continuamos sendo santificados, mas nunca chegaremos à santificação total até chegarmos ao céu. Quer dizer que somente ao final do processo da salvação é que a glória perdida no Éden pelo primeiro Adão será finalmente restaurada (1 Coríntios 15.45).

Trata-se da promessa da futura transformação de nosso corpo mortal em corpo glorioso (Filipenses 3.21), que se dará por ocasião da Vinda do Senhor (1 Coríntios 15.52-54; 2 Coríntios 3.18). Esse novo corpo será eterno, imortal, imperecível, impecável.(20) Conforme as Escrituras, o homem, nascido de novo, em Cristo, é “nova criatura” (2 Coríntios 5.17) e se toma participante “da natureza divina” (2 Pedro 1.4). Contudo, essa participação, no tempo presente, é parcial. Isso porque, embora o pecado não tenha mais domínio sobre o crente, o homem permanece sujeito a fraquezas e ao erro, mas, na glorificação, ele será restaurado à “semelhança” da “imagem de Deus” (1 João 3.2).

Isso significa que um dia o homem será restaurado em sua perfeição original e será impecável diante de Deus. Assim, ocorrerá a salvação da presença do pecado (1 Pedro 1.5). Antonio Gilberto pondera que “a salvação começa com a redenção da alma; prossegue com a redenção do corpo; e culmina com a glorificação do crente integral”. Ele acrescenta que “João Batista, inspirado pelo Espírito, disse que Jesus é o Cordeiro que tira o pecado do mundo – kosmos. Isso só acontecerá plenamente no futuro”. (21) Nesse sentido, Ciro Zibordi pontua que “obtemos a certeza da vida eterna no momento em que cremos em Jesus Cristo, confessando-o como Senhor (João 5.24; Romanos 10.9,10), porém a salvação no sentido de glorificação só se dará a partir do Arrebatamento (Romanos 13.11; Hebreus 9.28; Filipenses 3.20,21).”(22) Por essa razão, o autor de Hebreus chamou essa gloriosa obra de Deus de “uma tão grande salvação” (Hebreus 2.3). O próprio Deus proveu os meios de nossa plena santificação, pois na Cidade Santa “não entrará coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Apocalipse 21.27).

Conclusão

As Escrituras ensinam que “a vontade de Deus é a vossa santificação” (1 Tessalonicenses 4.3); e que “Deus não nos chamou para viver na impureza, mas em santidade” (1 Tessalonicenses 4.7). Desse modo, uma conduta irrepreensível é requerida ao cristão, tanto no espírito como na alma e no corpo (1 Tessalonicenses 5.23). Contudo, essa restauração somente é possível por meio do sangue de Cristo, pela ação do Espírito e pela Palavra de Deus (1 Pedro 1.15-25). O fruto do Espírito nós é concedido para andarmos no mundo conservando nossa santidade (Gálatas 5.16-17, 22). Esse processo é contínuo até a Volta de Cristo, quando esse corpo mortal e pecaminoso se revestir da imortalidade e da incorruptibilidade (1 Coríntios 15.52,53). Portanto, a Escritura nos adverte “sede santos, porque Deus é santo” (1 Pedro 1.16), pois sem a santificação ninguém verá o Senhor (Hebreus 12.14).

Referências

(1) HORTON, S. (Ed.). Teologia Sistemática: Uma perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 28

(2) ERICKSON, 2015, p. 551. 3

(3) STRONSTAD, Roger & ARRINGTON, French (Ed.). Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 1.779.

(4) ARMÍNIO, Jacó. As obras de Armínio. Vol. 1. Rio de Janeiro: CPAD, 2015, p. 439.

(5) MAIA, Carlos Kleber. Depravação Total. São Paulo: Reflexão, 2015, p. 75.

(6) JENNEY, Timothy P. O Espírito Santo e a santificação. In: HORTON, S. (Ed.). Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 407.

(7) JENNEY, 1996, p. 412.

(8) FERGUSON, Sinclair B; WRIGHT David F. Novo dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 892.

(9) JENNEY, 1996, p. 419.

(10) HENRY, Carl (org.). Dicionário de Ética Cristã. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p. 537.

(11) GILBERTO, Antonio (Ed.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, p. 227.

(12) GILBERTO, 2013, p. 227.

(13) GILBERTO, 2013, p. 228.

(14) GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 622.

(15) SOARES, E. (Org.). Declaração de Fé das Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 112.

(16) HORTON, 1996, p. 408.

(17) HAWTHORNE, Gerald F.; et. al. (Org.). Dicionário de Paulo e suas cartas. São Paulo: Vida Nova; Paulus, Edições Loyola. 2017, p. 1.136.

(18) JENNEY, 1996, p. 425.

(19) FERGUSON, 2009, p. 606,607.

(20) STRONSTAD, 2003, p. 1.308

(21) GILBERTO, 2013, p. 377.

(22) ZIBORDI, Ciro Sanches. Escatologia: a doutrina das últimas coisas. In: GILBERTO, Antonio (Ed.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, p. 508.

por Douglas Roberto de Almeida Baptista

Compartilhe este artigo. Obrigado.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem