Como entender o uso de hipérbole na Bíblia?

Como entender o uso de hipérbole na Bíblia?


Este tipo de figura de linguagem, de certa forma, não configura uma mentira?

A Bíblia como mensagem é uma revelação, cuja fonte (o Autor) é exclusivamente divina. Mas, como linguagem, é um texto literário, cujas fontes (os escritores) são humanas. São dezenas de escritores das mais diversas atividades pessoais, todos instrumentalizados, guiados e influenciados sobrenaturalmente por uma única Mente Divina (2 Timóteo 3.16; 2 Pedro 1.20,21). Mas, ao mesmo tempo, cada um, a partir de sua personalidade, fizeram uso dos seus talentos pessoais. Até mesmo no âmbito do vocabulário, gênero e estilo literário. Tudo dentro do propósito maior de prover para o homem a revelação divina na forma escrita, revestida de inerrância e infalibilidade. Este é o grande milagre da Bíblia. 

Em alguns gêneros literários mais, em outros menos, um recurso estilístico muito usado no texto bíblico são as figuras de linguagem, também chamadas figuras de retórica ou figuras gramaticais. São palavras ou frases utilizadas para comunicar um sentido diferente do literal. Nesse caso, regras gramaticais que determinam a função habitual das palavras são postas de lado intencionalmente, a fim de empregar formas diferentes do seu sentido original. Por que são tão utilizadas no texto bíblico? As figuras de linguagem expressam verdades de maneira viva, colorida e figurada, sempre de forma concisa. Elas têm o poder atrativo de chamar a atenção, em razão de sua singularidade. São mais facilmente guardadas na memória, pelo impacto causado na mente do leitor. O seu brilho estimula o leitor à reflexão. Vamos a alguns exemplos: símile (Provérbios 26.1; Isaías 1.18); metáfora (Mateus 5.14; João 15.5); metonímia (Lucas 16.29; 1 João 1.7); sinédoque (Lucas 2.1; Salmos 16.9); ironia (Jó 12.2; 1 Reis 18.27).

No caso mencionado na pergunta do leitor, a hipérbole é uma afirmação exagerada, em que se diz mais do que o significado literal, com o objetivo de ênfase, “[...] com que se derretesse o nosso coração” (Deuteronômio 1.28); “[...] Coais um mosquito e engolis um camelo” (Mateus 23.24). O uso de hipérboles na Bíblia é um erro? Seu uso condiz com a inerrância das Escrituras? Devemos entender como uma mentira quando os escritores que empregaram hipérboles são entendidos como dizendo mais do que pretendiam?

A resposta é não. Deve-se presumir um mínimo de bom senso por parte de quem lê a Bíblia, bastando entender as hipérboles como afirmações exageradas que visam à ênfase e ao impacto. Haja vista que a ideia expressada pela hipérbole corresponde à realidade. Em suma, basta não entendê-las literalmente. Fazendo uma analogia com o nosso cotidiano, quando uma mãe diz ao seu filho adolescente “Já lhe disse dez mil vezes para que arrumasse o quarto”, certamente ela está lhe dizendo “inúmeras vezes”, e não mil multiplicado por dez. Isto é, o que ela disse não está errado, apenas falou de forma exagerada para dar ênfase ao que queria dizer. 

Após ter esclarecido que uma hipérbole não é uma mentira, deve-se ressaltar que a Bíblia, sendo a Palavra de Deus, não mente, embora registre mentiras que outros proferiram (2 Samuel 1.5-10; Atos 5.1-10). Nesses casos, não é a mentira do registro que foi inspirada, mas, sim, o registro da mentira. 

Finalizando, evitemos a precipitação de encontrar erros na Bíblia. Quando nos depararmos com textos aparentemente discrepantes, tenhamos a mesma postura de Agostinho de Hipona: “Num caso desses, deve haver erro do copista, tradução malfeita do original ou então sou eu mesmo que não consigo entender”.

por Gil Monteiro

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