Em busca dos incensários perdidos

Em busca dos incensários perdidos

“E estava em pé, entre mortos e vivos, e cessou a praga” (Números 16.48).

Neste período do ano, os ramos entumecidos da mirra assinalam que é tempo de recolher sua preciosa seiva. Logo, os galhos serão feridos e manarão o líquido âmbar, cujas gotas endurecerão ao tempo. Algumas, mais grossas, cairão no solo, precisando ser recolhidas, outras, menores, permanecerão fixas à espera da colheita. As ‘pedrinhas’ demorarão de um a quatro meses para secarem totalmente. Após o tempo de espera, poderão ser trituradas para receberem o uso devido. Mergulhadas em azeite, comporão um precioso óleo de mirra. Depositadas sobre as brasas de um incensário, emanarão o perfume que, até hoje, inunda casas, desde o norte da Índia até o Oriente Médio. A mirra perfuma ocasiões de nascimento e de morte, sendo considerada, por isso, símbolo de verdade e de humildade; seu aroma está presente na consagração de objetos e de locais. Considerada símbolo de realeza e de sacerdócio compunha, com outros elementos, aquele conjunto de aromas chamado na Bíblia de ‘coroa de azeite’ da santa unção, derramado cerimonialmente sobre Arão e seus filhos no ato de sua separação. Ainda hoje a mirra unge reis e brilha nas frontes de homens separados para os ofícios religiosos.

O calor está diretamente ligado à liberação dos aromas, uma vez que as altas temperaturas potencializam seus efeitos. Mesmo um pouco de calor favorece o uso, como era comum na unção feita sobre os visitantes das casas. Um pequeno cone feito de material gorduroso, amassado com os perfumes, era colocado sobre a cabeça do hóspede. Considerando que o recém-chegado trazia sua temperatura corporal alta, naquelas terras quentes, esperava-se que o óleo derretesse lentamente, oferecendo ao homenageado a experiência prazerosa de uma prolongada e perfumada unção.

Quando, além dos aromas, fazia-se necessária a liberação da fumaça, usava-se o incensário. Era essa ‘cortina de fumaça’ que protegia o sumo sacerdote da visão da Arca da Aliança, oferecendo uma barreira de mirra e de incensos ardentes entre o homem e a Santidade de Deus. Muito embora a presença da fumaça esteja ligada à imagem das orações dos fiéis subindo a Deus, ela está diretamente relacionada à ideia de cortina, de separação e de proteção, além de simbolizar o resultado da dolorosa extração e maceração dos elementos que constituem o mix de essências aromáticas, como sacrifício perfeito e doloroso, totalmente devido a Deus e a Ele ofertado.

No livro de Números, temos uma impressionante lição sobre as ações de Deus na formação e correção de Seu povo, durante o terrível episódio da rebelião de Datã, Abirão e Coré, quando eles e mais 250 líderes de Israel pleitearam maior autoridade sobre o povo, segundo o argumento de que todos eram santos, negando a distinção (que não pretendiam destruir, mas enfraquecer) entre os sacerdotes e o restante dos israelitas. Insatisfeitos com algumas ‘escolhas de Deus’, aqueles homens pareciam crer que o próprio Senhor iria aderir e aprovar suas reações. Quando são chamados a apresentarem seus incensários diante da tenda da congregação, parecem esperar a concordância divina para com a sua ‘justa’ causa. A ira do Eterno foi a resposta obtida, com a destruição dos revoltosos e de suas casas. A resposta apenas não foi maior devido à intercessão de Moisés e de Arão. Não fosse assim, toda a congregação teria sido destruída. Os rebeldes o foram – mas não seus incensários. Segundo a ordem dada por Deus, os objetos deveriam ser derretidos, tornados em lâminas, transformados em material de cobertura para os demais utensílios santos, passando a ser uma espécie de memorial do serviço cúltico um dia prestado.

Deus conhece a natureza do incenso oferecido, e também conhece a santidade de um incensário. Deus conhece Seus instrumentos e o uso que se faz deles. “Quanto aos incensários daqueles que pecaram contra a sua alma, deles se façam folhas estendidas para cobertura do altar; porquanto os trouxeram perante o Senhor, pelo que santos são e serão por sinal aos filhos de Israel” (Números 16.38).

Não bastassem os trágicos acontecimentos, a população ainda se rebelou, provocando a decisão divina de consumi-la totalmente. Mais uma vez, prostrados sobre seus rostos, Moisés e Arão intercedem. “E disse Moisés a Arão: toma o teu incensário, e põe nele fogo do altar, e deita incenso sobre ele, e vai depressa à congregação, e faze expiação por eles, porque grande indignação saiu de diante do Senhor; já começou a praga” (46). Assim procedeu Arão, expiando pelo povo, embora tenham morrido 14.700 pessoas como resultado da praga, fora aqueles que morreram com Corá em sua rebelião. Os que sobreviveram, de toda a congregação de Israel, deveriam lembrar e fazer lembrar sua descendência, da barreira levantada, em favor da vida, por um incensário nas mãos de um sacerdote, por uma cortina de fumaça, por um sacrifício oferecido a Deus.

Quando Nabucodonosor invadiu Jerusalém e tomou os utensílios do Templo, levando-os para as terras da Babilônia, certamente confiscou todos os elementos usados nos serviços cerimoniais, inclusive aqueles relativos à queima de especiarias. A profanação desses mesmos instrumentos levou à queda de seu império, na época sob a regência de Beltessazar. Um reino foi contado, pesado e achado em falta no justo momento em que violava a santidade daquilo que é santificado a Deus, pois Deus conhece seus utensílios. O retorno, no reinado de Ciro da Pérsia, dos instrumentos do Templo para Jerusalém encheu de esperança os seus moradores de um retorno às oportunidades de adoração no santuário escolhido pelo Senhor. O ano 70, a destruição da cidade pelas tropas de Tito e o saque dos objetos sagrados estão marcados em pedra no arco que leva o nome do destruidor, num testemunho do desprezo humano pelas coisas de Deus.

Note-se que, desde a dominação babilônica, procura-se e pergunta-se sobre o paradeiro da Arca da Aliança, havendo numerosas ofertas de respostas para tais questões. A invasão do ano 70 de nossa era levantou outras inquirições, a saber, o destino das trombetas de prata e do candelabro de ouro retratados no Arco de Tito. Na opinião de alguns, com a queda de Roma, foram saqueados e derretidos, o que não impediu o governo de Israel de tomar o desenho da Menorah ali exposto como símbolo oficial do novo Estado, desde 1948.

O simbolismo da Arca é inegável, como é igualmente a bela representação da Menorah. Mas, dificilmente alguém perguntará pelas trombetas, as espevitadeiras, os pratos para os pães da proposição, as taças e, muito menos, pelos incensários. No entanto, onde estão os incensários perdidos? O interesse por essa resposta precisaria fazer jus ao chamado de Israel como nação sacerdotal. Os homens rebeldes dos dias de Moisés foram chamados a prestar contas diante de Deus com os seus. Os homens foram destruídos, os incensários foram preservados. O incensário de Arão, aceso, forneceu à nação de Israel a sobrevida após a praga. O povo permaneceu vivo. A praga cessou. Então, onde estão os incensários perdidos?

Quando o povo de Israel descuidou de seu chamado sacerdotal tornou-se fraco, dividido, ambicioso de cargos, posições, discutindo chamados e resistente às autoridades instituídas por Deus. Quando o Senhor quer sacudir o homem dessa equivocada posição, chama com o incensário, chama com o símbolo de seu chamado – lembrando que a unção e o chamado são do Alto, não perecerão. O Espírito quer lembrar cada membro da comunidade de Israel de que foram chamados para o serviço celestial, para as orações, para o louvor, para a intercessão em favor de muitos, pois a praga do pecado há muito já começou e há multidões a morrer por ela. Mais incensários acesos, mais intercessores ousados, de pé, entre a mortandade que se avizinha e os que ainda têm esperança de vida, e todo um povo poderia ser salvo. 

Israel está envolvida na política interna, nos desafios da política externa, nos avanços tecnológicos, na construção de uma sociedade avançada em todos os setores, numa produção agrícola espantosa apesar das dificuldades geográficas. Israel cresce à vista de seus inimigos. Os sucessos são inegáveis e testemunham a fidelidade do Eterno à aliança uma vez firmada. Mas, sem querer dar uma nota pessimista, apenas retornando ao que é essencial, onde estão os incensários? O melhor dos esforços da descendência de Abraão precisa ser para Deus. O melhor da música, da escrita, dos estudos, sobretudo, o melhor da devoção. Davi ainda clama, através da Palavra revelada, para que as suas orações subam como incenso suave, agradável diante de Deus. Deus livre Israel de perder seu ofício sacerdotal.

Perdido o sacerdócio, restam as disputas, os conflitos, grupos divididos em opiniões sobre governos, sobre quem deve ou não deve mandar. Perdido o sacerdócio, antes que o Senhor mesmo requeira a prestação de contas por cada incensário, famílias e comunidades inteiras são afetadas pelas diferenças de opiniões, cada qual desejando que Deus concorde com sua postura em particular. Mas Deus conhece seus utensílios... diante da disputa, apenas perguntará sobre os incensários. Traga o incensário, ordena o Senhor, e seja verificado o perfume dos aromas ali ofertados. O incensário denunciará homens, levando-os à morte, mas o incensário também oferecerá a barreira intercessória para que homens sejam livres da destruição. Havendo incensários a praga cessará. Onde estão os incensários? Deus o sabe, pois conhece todos os seus utensílios.

Por Sara Alice Cavalcanti.

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