Quem salva uma vida é como se salvasse o mundo inteiro

Quem salva uma vida é como se salvasse o mundo inteiro

A declaração que nos serve de título é frase constante da tradição judaica. É uma das formas como os judeus expressam o imenso valor de uma vida. Tão firme é a certeza deste valor que é até mesmo permitido violar as leis cerimoniais em prol dele. A ele o Senhor Jesus fez referência quando argumentou com seus opositores se seria lícito, no sábado, socorrer alguém, livrando-o da agonia e da morte. Somente com o entendimento dessa tradição moral e espiritual pode-se dimensionar o recuo de Israel em sua postura de não negociar com terroristas e concordar com a troca do jovem soldado Gilad Shalit por 1.027 presos por assassinato.

O valor que cada homem dá à vida de seu semelhante infelizmente varia e isso ficou claramente demonstrado pela maneira como a celebração das solturas aconteceu. De um lado, uma família recebeu seu filho, devolvido após cinco anos de cativeiro, consciente das possíveis consequências da festa que celebravam para o futuro e a segurança do restante da população. Era, portanto, uma festa com um travo de tristeza, como deve acontecer em cada comemoração judaica. Pela tradição, mesmo no casamento, das celebrações uma das mais festivas, uma taça que se quebra faz menção à destruição do Templo e manifesta o desejo dos presentes de que ele seja, em breve, reconstruído. Assim, a alma está em alerta constante: pode e deve alegrar-se, mas não a ponto de esquecer que a casa do Senhor está em ruínas e que a restauração de Jerusalém ainda não se efetuou segundo aquela glória prometida nas Escrituras.

O retorno de Shalit foi celebrado dessa forma, num misto de risos e de lágrimas. Por outro lado, mais de mil homens foram aclamados pela violência dos seus atos e pelo desrespeito que manifestaram por outros homens, seus semelhantes. Conforme declarou Jack Terpins, presidente do Conselho Judaico Latino-Americano, organização regional que agrega as comunidades judaicas do continente latino-americano, essa troca: “conduz [nos] à reflexão acerca do valor da Vida: uma Vida por 1.027 presos, encarcerados por terem assassinado a centenas de israelenses. De outro lado, uma vida por 1.027 “heróis”, glorificados por terem manchado as mãos de sangue e semeado o terror em Israel. À diferente valorização da vida humana, uma vez mais se fez evidente!”.

O Conselho Judaico Latino-Americano procura sustentar os mesmos princípios do Congresso Judaico Mundial(1), cujo lema central é de que todos os judeus são responsáveis uns pelos outros. Espera-se que cada descendente de Abraão, em qualquer uma das 80 comunidades agregadas pelo Congresso e organizadas em cinco estruturas regionais, a saber Norte-América, América-Latina, Europa, Euro-Ásia e Israel reconheça o compromisso que têm entre si. Mas, o que dizer de poloneses e russos que arriscaram suas vidas e as de suas famílias para esconder durante meses e até anos judeus fugitivos e poupá-los das atrocidades nazistas? Por que razão alimentar, vestir, ocultar, proteger alguém que não conhecemos ou por quem não temos afinidade?

Por que razão a irmã Corrie Ten Boon teve de perder seus familiares nos horrores dos campos de concentração, não sendo eles judeus, apenas pelo crime que praticaram de os ocultarem em sua casa? Como explicar o zelo com que o Dr Koster, responsável pelo Hospital Bispebjerg, na Dinamarca, escondeu judeus no prédio da psiquiatria e os alimentou pela cozinha da instituição, com a ajuda dos demais médicos e enfermeiras naqueles anos de perseguição? Por que, quando a população soube do que ocorria, envolveu-se, com risco pessoal, com doações de todas as partes do país, país que, aliás, desde o alerta dado pelo membro da resistência dinamarquesa, Hans Hedtoft sobre a ordem de deportar toda a população judaica de seu território, ofereceu ajuda, percebendo na ofensiva uma violação à vida a que não estavam dispostos a se submeter? Todos — de operários a comerciantes, de religiosos a professores — quiseram dar sua contribuição. Calcula-se que, ao término da operação de proteção e resgate, com muitos refugiados sendo levados à costa e conduzidos em barcos para a Suécia pelos pescadores locais, cerca de um quinto da população de judeus da Dinamarca foi salva. Se uma vida vale um mundo, quantos mundos foram salvos pela coragem desses heróis?

“Quem é o herói, o que tira uma vida e tinge a terra com Sangue ou o que, com o risco da sua própria vida, salva a de um outro homem? A atitude do governo de Israel pode ser entendida como um ‘tiro no próprio pé’, um ato que pode gerar prejuízo maior à segurança da população. De certa forma, muitos de nós esperávamos uma nova versão de um ‘resgate em Entebe’”, mas não foi isso que vimos. O que contemplamos foi um ato heroico de outra sorte e, como todo ele, arriscado, porém não menos significativo. Deus zele pelos heróis, conhecedor que é, Ele mesmo, da importância de dar a vida em resgate de Outros, quanto mais se, por uma Vida, muitos forem resgatados, mesmo o mundo todo, cada uma vida valendo mais do que o próprio mundo, chegando à uma operação matemática de valor inestimável.

NOTA

(1) “Fundado em Genebra em 1936 para unir os judeus e mobilizar o mundo contra o avanço nazista, o CJM atua como braço diplomático do povo judeu ante 105 governos e organizações internacionais, lutando pela dignidade do povo judeu, combatendo o antissemitismo, fortalecendo s vínculos com outros credos e apoiando o Estado de Israel” (extr. e trad. do espanhol diretamente do site do CJL).

Por, Sana Alice Cavalcante.

Se este artigo foi útil para você compartilhe com seus amigos.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem