Missões em Atioquia: princípios que não devem ser descuidados

Tudo começou com a evangelização circunstancial em Antioquia, por parte dos dispersos, decorrente da perseguição após a morte de Estevão (Atos 11.19). Apesar de se voltarem inicialmente aos judeus, alguns desses “refugiados”, por serem de regiões distintas da Judeia, compartilharam o Evangelho também com os gregos (Atos 19.20). Esse ato ampliou o universo de proclamação, estabelecendo um diálogo cultural cujo eixo principal era o Senhor Jesus. 

Na igreja de Antioquia, podem-se encontrar princípios e procedimentos para uma obra missionária sustentável. Seu exemplo missiológico serve para exercitar uma profunda reflexão de quais são os procedimentos essenciais que devem ser reavivados no Centenário das Assembleias de Deus no Brasil.

A igreja brasileira tem sido marcada por um sentimento missionário, que não é superficial. Porém, com o passar dos anos, ao avaliar a continuidade dos campos de missões em diversos continentes, verifica-se que a maioria das igrejas implantadas padecem, com o decurso do tempo, de ausência de sustentabilidade pastoral, seja por abdicação de quem os enviou, por ausência de manutenção ou por inexistência de ação formadora de novos obreiros.

Voltando aos dias da igreja de Antioquia, é possível identificar alguns dos procedimentos adotados na Igreja Primitiva quanto à implantação de novas comunidades eclesiásticas.

I — Evangelização pessoal e cristocêntrica

Chame-se de intercultural ou multicultural, diálogo cultural, ou outro epítero que o estudo missiológico lhe dê, a atitude dos crentes dispersos foi a de compartilhar o Senhorio de Jesus.

Não há dúvida de que, em muitas culturas, a porta de acesso tem sido a ação social, o serviço médico-assistencial ou outras diversas ações sócio-culturais, porém essas atividades devem ser meio para levar as vidas a Cristo. Não se pode perder de vista a formação de igrejas locais, nas quais essas pessoas sejam aperfeiçoadas para a obra do ministério cristão e edificação do Corpo de Cristo. O elemento circunstancial que provocou a dispersão dos crentes de Jerusalém possibilitou que o Evangelho chegasse à Antioquia com tanta eficácia que “grande número creu e se converteu ao Senhor”. A obra missionária da Igreja não deve ser conhecida somente por quantos hospitais, escolas, orfanatos ou mutirões missiológicos mobiliza ou mantém, porém deve-se regozijar por quantas almas constituem de forma consciente a nova Igreja Local.

II — Respaldo de uma igreja-mãe

Que fazer com os recém-conversos? Quem seria posto sobre eles para apascentá-los e ensiná-los? A quem reconheceriam com autoridade apostólica de estabelecer os fundamentos e treinar novos obreiros? Que modelo de igreja, que padrão de culto, que doutrina seguir, diante das correntes que surgiam, principalmente os judaizantes e gnósticos?

Atualmente, não são diferentes os desafios que uma obra missionária enfrenta, quando sua ênfase é a formação de uma igreja local. À igreja-filha precisa ter uma referência de igreja, e não de agência, para que no futuro possa ser também uma igreja missionária. As Agências Missionárias surgem quando as igrejas falham em enviar e sustentar seus missionários.

Assim, pelo que se percebe, com as notícias que chegavam de Antioquia em Jerusalém (Atos 11.22), também comunicou-se a necessidade dos novos crentes e, para atender à comunidade iniciante, enviou-se alguém a fim de que exortasse e afirmasse os recém-conversos na fé. Uma igreja que se propõe a enviar missionários deve fazê-lo por compromisso com a estabilidade doutrinária da igreja-filha que surgirá, com a formação saudável dos obreiros que serão constituídos, e com a permanente ordem dos trabalhos a serem implantados. Isso é formação. Barnabé influenciou nesse particular a atividade apostólica (missionária) de Paulo, pois este se preocuparia em fazer o mesmo, por sua vez, nas igrejas que supervisionaria (1 Timóteo 1.3; Tito 1.5). A igreja de Jerusalém nunca perdia o vínculo com as igrejas iniciantes (Atos 15.22-35). Se a igreja brasileira quer progredir em sua ação missionária, deve urgentemente reaver este princípio — respaldar, supervisionar e fomentar constantemente as igrejas-filhas no campo missionário, e não abdicar delas, pois mesmo que surjam obreiros nelas, em momentos de crises podem precisar de uma intervenção e a igreja-mãe estará habilitada para socorrê-la.

III — Enviar o melhor para missões

Para Antioquia, a Igreja em Jerusalém enviou um homem de qualidades espirituais generosas, desprovido de apego material e submisso à autoridade apostólica, pois diferentemente de Ananias e Safira, trouxera o real valor de sua herdade aos apóstolos (Atos 4.36). Esse homem, Barnabé, que se tornaria um verdadeiro conciliador e formador de obreiros (Atos 9.27; 11.25; 15.37) foi escolhido e enviado àquela iniciante comunidade eclesiástica. À igreja de Jerusalém preocupou-se em enviar alguém que fosse um homem de bem, cheio do Espírito Santo e de fé (Atos 11.24).

Para a obra missionária, não se deve enviar alguém de quem se quer ver livre, que resiste ao governo da igreja, que não tem uma vida de testemunho e bom antecedentes morais, que já promoveu escândalos ou dissenções. Jamais! O modelo de Antioquia é: enviar o melhor que temos. Sobretudo, homens que sejam experimentados no trabalho, provados primeiro para depois servirem; que tenham comprovadas qualidades evangelísticas e pastorais, pois além de evangelizar, apascentarão e ensinarão. Isso se o foco for o mesmo que havia em Jerusalém em relação à Antioquia: fortalecer uma igreja local iniciante.

Podem ser jovens, porém idôneos (Filipenses 2.22; 1 Timóteo 3.6); teólogos, porém que hajam sido primeiro provados na seara local, a fim de que saibam como formar uma igreja e obreiros. O seminário não é suficiente para isso. Somente o treinamento no serviço pode prepará-los e manifestar suas aptidões. Foi assim tanto com Barnabé como com os outros que foram escolhidos posteriormente em Antioquia (Atos 13.2). À regra ainda precisa ser a mesma: primeiro sejam preparados e provados, depois sirvam, e aí sejam enviados (2 Coríntios 8.22; 1 Timóteo 3.10; 5.22a). Assim, a qualidade e a sustentabilidade do campo missionário crescerão, e possivelmente não se verão tantos desatinos que promovem escândalos em tantos países. Esse é o modelo que deu certo em Antioquia e no começo da igreja assembleiana no Brasil.

IV — Treinar as novas igrejas nas práticas devocionais

Formação constante. É neste ponto que uma agência missionária não alcança o que uma igreja-mãe pode desenvolver, contribuindo para a sustentabilidade do campo missionário. Barnabé foi enviado para formar uma identidade doutrinária e devocional naqueles irmãos (Atos 11.26; 15.35). É importante notar que o historiador Lucas chama a comunidade de conversos de igreja (ou congregação), após a chegada de Barnabé (v.26). Antes, não.

A assimilação do padrão moral, espiritual e litúrgico foi tão eficaz que, após a chegada de Barnabé, os discípulos foram chamados de cristãos. Uma comunidade com uma contracultura surgia naquele lugar. A ênfase do ministério do apóstolo Paulo, formado por Barnabé, era pôr em ordem e estabelecer obreiros que formassem outros (Atos 15.35; 20.17-38). Isso exige tempo e perseverança. Até na hora de substituir missionários deve-se ter o mesmo cuidado para que a continuidade do trabalho não seja prejudicada (Filipenses 2.19-29). Quando isso não ocorre, há escândalo e sofrimento. À igreja assembleiana brasileira tem condições de sustentar seus missionários dignamente, a fim de que, com o exemplo, as igrejas-mães ensinem as igrejas iniciantes na missão a fazê-lo em seus próprios países.

Ao fazer Missões, lembremo-nos de Antioquia.

Por, Ailton José Alves.

Se este artigo foi útil para você compartilhe com seus amigos.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem