As descobertas científicas vão sendo acomodadas numa cosmovisão cristã e bíblica, mas não como fonte de autoridade sobre as Escrituras, mas como meio de glorificação a Deus
A explicação para a origem e desenvolvimento da vida é um debate que transcende fronteiras epistêmicas, geográficas e temporais. As Ciências Naturais, a Filosofia e a História buscam, a partir de seus métodos, contribuir com elucidações que contemplem a razoabilidade das explicações. No entanto, embora os esforços não tenham sido nulos, não emitem um eco uníssono entre os cientistas. Além disso, com a multiplicação da ciência e a globalização da informação, o debate extrapola os círculos acadêmicos e se torna quase onipresente na sociedade. Desse modo, a Teologia também passa a ser consultada, haja vista a ocorrência de temas de interesse científico nas Escrituras Sagradas. Embora a Bíblia não apresente como objetivo primário a divulgação de postulados científicos, sendo a verdade absoluta de Deus, ela registra os eventos da Criação para que o leitor-intérprete compreenda o propósito das obras do Criador.
Na caminhada do conhecimento cristão sobre a criação, duas
posturas epistemológicas são mais frequentes. A primeira, aparentemente ortodoxa,
rejeita qualquer contribuição filosófica e/ou científica para as verdades bíblicas.
Defensores desse posicionamento acreditam que o que está escrito em Gênesis 1-2
é totalmente suficiente para o esclarecimento total dos eventos de criação e
do desenvolvimento da vida. Uma segunda postura frequente entre alguns grupos cristãos
é a exaltação da ciência acima das Escrituras, utilizando aquela para comprovar
esta última. Os defensores desse posicionamento recorrem aos postulados científicos
para aceitar (ou não) as verdades bíblicas. Ou seja, o método científico é utilizado
para validar as verdades metafísicas da Palavra de Deus. O que pode ser
contraditório, haja vista que há verdades absolutas que não podem ser
comprovadas empiricamente, em um laboratório, por exemplo.
Precisamos então apontar uma terceira via na esteira desse
debate. Surge então outro posicionamento epistemológico, claramente aceito nos círculos
cristãos: aceitar a interação entre ciência e fé, reconhecendo-os como magistérios
não-conflitantes, mas complementares. Neste caso, confessamos ser a Palavra de Deus
a verdade absoluta, inerrante e infalível, revelando ao homem o plano da redenção
com todas as suas etapas adjacentes: criação, queda, redenção e consumação. Ao ler
a Bíblia Sagrada, descobrimos que o foco de Deus é fazer conhecido o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo (Joã1.29). Porém, para explicar o pecado,
precisamos voltar ao início. E esse maravilhoso início é explicado em dois capítulos
do primeiro livro do cânon sagrado. Enquanto cosmogonias alternativas gastam centenas
de folhas para tentar propor uma versão paralela sobre a origem da vida,
incluindo guerras cósmicas, conflitos familiares, incesto, canibalismo e feitiços,
a Bíblia revela harmonia, controle, divisão de tarefas, propósito, planejamento
bênção e descanso (Gênesis 1.2, 11, 17, 18, 24, 26, 28). Todavia, o desígnio do
Espírito Santo não é descrever todas as etapas dos processos físicos, químicos,
biológicos ou geológicos da formação da vida – de maneira alguma –, mas, alinhado
com os demais livros do cânon sagrado, revelar que Jesus Cristo é o criador,
mantenedor e sustentador de todas coisas (Colossenses 1.15-22). Nessa terceira postura
epistemológica, aceita-se a Bíblia Sagrada como Palavra inerrante de Deus e
reconhece-se a ciência como ferramenta de estudo e trabalho para o desenvolvimento
do conhecimento humano. Desse modo, as descobertas científicas vão sendo
acomodadas numa cosmovisão cristã e bíblica, mas não como fonte de autoridade
sobre as Escrituras, mas, sim, como meio de glorificação a Deus, por confirmar
– ainda que involuntariamente por parte dos cientistas – as verdades eternas.
Na tentativa de conciliar esses dois domínios de conhecimento,
quatro grandes correntes de pensamento buscam explicar a origem da vida,
convergindo a revelação bíblica com os postulados científicos: Criacionismo da
Terra Jovem, Criacionismo da Terra Antiga, Evolução Teísta e Design Inteligente.
As duas primeiras reconhecem que a Criação é um ato voluntário de Deus,
ocorrendo de maneira sobrenatural. Diferem-se basicamente no tocante à
interpretação cronológica dos eventos de Gênesis 1 e 2. A Evolução Teísta reconhece
a evolução a partir de mutações e seleção natural como o mecanismo usado por
Deus para criar e desenvolver a vida. A corrente do Design Inteligente busca
identificar padrões na natureza que evidenciam um projeto elaborado por uma
causa inteligente. Alinhados com nossa Declaração de Fé das Assembleias de Deus,
nos aproximamos de uma confissão criacionista da terra jovem, crendo que o universo
foi planejado por Deus com propósito (Efésios 3.11) e criado de maneira instantânea,
pela Sua soberana e livre vontade, em um período de seis dias literais de vinte
e quatro horas e um dia de descanso.
Partindo da premissa que Gênesis 1-11 é narrativa histórica –
e não parábola, poesia, profecia nem mitologia – registrada pela inspiração do Espírito
Santo, reconhecemos que a Criação é obra do próprio Deus, de maneira planejada,
organizada e proposital. Os primeiros capítulos de Gênesis citam pessoas reais,
descrevem localizações reais e narram acontecimentos reais. Neste sentido, a
revelação bíblica da criação divina de um casal humano, Adão e Eva, deve ser
tomada como verdade literal. Embora boa parte do círculo acadêmico milite hostilmente
contra armações sobrenaturais bíblicas, um exame mais detalhado dos “achados científicos”
das últimas décadas nos revelam que o relato original da criação é plausível
também sob a ótica natural. Ainda que muitos laboratórios e campos de investigação
buscassem desacreditar a Bíblia a partir de supostas eventuais contradições, terminaram
por contribuir para corroborar a verdade eterna revelada pelo Espírito Santo.
Uma das frentes da fé naturalista – ou darwinista – que
buscava desacreditar a existência de um casal bíblico primordial teve como
ferramenta de trabalho a paleoantropologia, um ramo multidisciplinar que investiga
a evolução e pré-história do homem e seus ancestrais. Através das famosas árvores
filogenéticas, propuseram que o ser humano seria fruto da evolução gradual a partir
de outras espécies de hominídeos, todos primatas ligados entre si por um ancestral
comum. Todavia, embora a anatomia humana se assemelhe à anatomia dos macacos,
“não existe similaridade na estrutura cerebral e na química do cérebro. Quanto
a essas características, os humanos se parecem muito mais com corvos e
roedores; a previsão de Darwin sobre esse assunto foi falsificada”. (1)
Tomando os fósseis como uma comprovação respeitada
indiscutivelmente na academia, encontraremos uma evidência diferente das
expectativas dos naturalistas. O registro fóssil também manifesta grandes lacunas
ou descontinuidades entre diferentes grupos de organismos, especialmente nos níveis
taxonômicos mais altos. Com pouquíssimas exceções, “os principais grupos de organismos
entram no registro fóssil abruptamente, sem conexão discernível com ancestrais
mais antigos”. (2) Nesta direção, se a evolução significa a mudança gradual de
um tipo de organismo em outro tipo, “a característica iminente do registro
fóssil é a ausência de evidência a favor da evolução. A história da maioria dos
fósseis das espécies inclui duas características: ausência de mudança ao longo
da sua existência e surgimento abrupto de espécies (3)”. O próprio renomado
paleontólogo Stephen Jay Gould reconheceu a extrema raridade de formas
transicionais no registro fóssil como o segredo mais bem guardado da paleontologia.
E também, em sua famosa obra O Polegar do Panda, relembra-nos que a maioria dos
fósseis de hominídeos, embora sirva para especulações, é composta apenas de pequenos
fragmentos de mandíbula e pedaços de crânio. Fósseis atribuídos aos
representantes do gênero Homo no período de 2 a 3 milhões de anos atrás são
extremamente raros e “é possível colocar todos eles numa pequena caixa de
sapatos e ainda sobra espaço para um bom par de sapatos”. (4)
Dadas as controvérsias das evidências fósseis, outro domínio
de conhecimento é invocado para a discussão da origem humana: a bioquímica e a
genética. Migrando do macro para o microscópico, os estudiosos defendem o conceito
de “descendência comum universal”, uma hipótese de que todos os organismos vivos
são geneticamente aparentados por meio da descendência que sofreu modificações.
De acordo com esse ponto de vista, “além de todos os seres humanos viventes serem
aparentados entre si, também compartilham um ancestral comum com os macacos e,
voltando ainda mais no tempo, somos parentes de tudo, desde cavalos até atuns, brócolis,
fungos que causam pé de atleta e bactérias. Essa definição de evolução é
controversa para muitos céticos de Darwin (embora não todos) e é cada vez mais controversa
entre biólogos evolucionistas”. (5) No ano de 2009, quando se comemorava o
bicentenário do nascimento de Darwin, um dos conceitos centrais de sua teoria
já era confrontado: a árvore da vida. Segundo Didier Raoult, “o conceito de uma
árvore da vida que segue rigorosamente a teoria de Darwin não é pertinente na
era genômica”. (6) A genética, quanto mais avançava em suas descobertas, corroborava
a existência de um casal original dando origem a outras gerações de humanos e não
a uma evolução a partir de uma descendência comum, pois “quanto mais aprendemos
sobre genomas, menos sua história evolutiva apresenta o aspecto de árvore”. (7)
Ainda no campo molecular, uma das descobertas que mais
revolucionou o debate evolucionista foi alcançada a partir da análise do DNA de
indivíduos etnicamente diversos. As sequências do DNA de humanos modernos, ao
serem analisadas por Allan Wilson e Rebecca Cann, permitiram encontrar uma sequência
ancestral que se repete em todos os indivíduos, a “Eva mitocondrial”, que teria
existido na África há aproximadamente 200 mil anos. (8) Vale ressaltar que essa
Eva não é a mãe da qual todos os seres humanos descendem, mas, sim, uma
molécula de DNAmt (DNA mitocondrial) da qual todas moléculas de DNAmt se
derivam. De qualquer maneira, os achados genéticos se alinham com o fato
bíblico de uma origem humana a partir de um casal capital. Estudos posteriores,
(9) com a análise de sequências variadas completas para o genoma mitocondria, confirmaram
o resultado de que todos os humanos modernos possuem um genoma de DNA mitocondrial
derivado de um único ancestral comum que viveu – se diz hoje – há cerca de 120.000
anos. Nesta mesma direção, os resultados dos estudos com o cromossomo Y10
revelaram um ancestral comum que viveu a 70.000 anos também no continente africano.
Este ancestral ficou conhecido como cromossomo Y de “Adão”, por ser o cromossomo
Y um tipo de cromossomo sexual encontrado apenas nos homens. Ainda que
involuntariamente, os achados científicos apontam para um casal original.
Embora pouco divulgado, estudos como o de Rohde e sua
equipe11conceberam um programa de computador para simular migrações e reprodução
de seres humanos em todo mundo. Estimando como os diferentes grupos se misturam,
os pesquisadores construíram uma imagem de como as linhas ancestrais da humanidade
estão firmemente ligadas. Assim, descobriram que o ancestral comum mais
recente de toda humanidade viveu em torno de 5.353 anos antes de Cristo na Ásia
oriental. Estudos como esses contrariam a ideologia dominante na academia secularista
que defende uma existência humana na escala de milhões de anos. Para o
Criacionismo da Terra Jovem, a partir dos cálculos das genealogias bíblicas, o
ser humano aparece na criação em uma escala de poucos milhares de anos. Desse
modo, estudos de cariz genético coadunam – a contragosto dos militantes
ateístas, por exemplo – com as informações bíblicas: um casal original criado
por Deus há poucos milhares de anos e se ramificando nas variadas etnias
atuais.
Para a paleoantropologia, a origem do ser humano – na literatura
especializada – é apontada em um intervalo de tempo que oscila entre 2 a 8
milhões de anos. Entretanto, muitos pesquisadores reconhecem uma explosão de cultura
moderna semelhante à humana, no registro arqueológico por volta de 35 mil a 40
mil anos atrás, o qual mostra o surgimento repentino de criatividade humana na
comunicação, tecnologia e arte, revelando o rápido surgimento de autoconsciência,
identidade de grupo e pensamento simbólico, denominada de Explosão Criativa (MELLARS,
2004; NOWELL, 2006; BAR-YOSEF, 2002; WHITE, 2003; KELLY; THOMAS, 2010; HAUSER
et al., 2014). Ainda que dezenas de milhares de anos se afastem da realidade bíblica,
está muito mais próximo se comparado ao intervalo de tempo de milhões de anos –
proposto pelos evolucionistas – desde o surgimento do homem até o
desenvolvimento de sua racionalidade. Nas Escrituras Sagradas, porém, encontramos
o homem recém-criado, no jardim, já desenvolvendo a tarefa intelectual de nomear
as demais criaturas. Uma tarefa que não necessitou de milhões de anos para ser
atribuída, pois, no relato bíblico, o homem já foi criado com propósito de
expressar a imagem e semelhança de Deus. Para o relato evolucionista darwinista,
o ser humano nada tem de especial em relação a amebas, cogumelos, estrelas-do-mar
ou elefantes. Mas, para a confissão de fé cristã bíblica, o propósito de Deus para
o Homo sapiens exige que haja alguma diferenciação em relação a todas as outras
criaturas: “[...] pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e de honra
o coroaste” (Salmos 8.5).
Em síntese, ainda que a Bíblia Sagrada não seja um artigo
científico e nem mesmo uma enciclopédia informativa, quando ela nos ensina o propósito
e o processo da Criação, ela revela um plano perfeito executado por Deus. E ao
longo dos anos, quando a ciência faz o seu trabalho de tentar compreender o cosmos,
termina por contribuir – ainda que involuntariamente – para a confirmação de
que a Palavra de Deus é inerrante, infalível e eterna. Glória a Deus!
Referências
(1) HAM, K; et al. A origem: quatro visões cristãs sobre
criação, evolução e design inteligente. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson,
2019., p. 209.
(2) Ibid., p.
149.
(3) JOHNSON, P.
E. Darwin no banco dos reús. Trad. Enézio Filho. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 59.
(4)
SHREEVE, J. Oldest human fossil found, redrawing family tree. National
Geographic, Março, 2015; GIBBONS, A. Skeletons present an exquisite
paleo-puzzle. Science, v. 333, n. 6048, p. 1370-1372, 2011.
(5) SLUSKIN, C. Descendência comum universal: uma análise
crítica abrangente. In: MORELAND etal, Evolução teísta: uma crítica científica,
filosófica e teológica. São
Paulo: Vida Nova, 2022. (p. 368).
(6) RAOULT,
D. There is no such thing as a tree of life (and of course viruses are outl).
Nat Rev Microbiol, 7. 615, 2009.
(7)
BATPESTE, E, et al. Networks: expanding evolutionary thinking, Trends in
Genetics, v. 29, n. 8, p. 439.441, 2013.
(8) WILSON,
À; CANN) R. The Recent African Genesis of Humans. Scientific American, v.266,
n. 4, p. 68, 1992.
(9) INGMAN
M., et al. Mitochondrial genome variation and the origin of modern humans.
Nature, v. 408, p. 708–713, 2000; TANG, H., et al. Frequentist estimation of
coalescence times from nucleotide sequence data using a tree-based partition.
Genetics, v. 161, p. 447–459, 2002;
(10)
KARAFET, T. M.; et al. New Binary Polymorphisms Reshape and Increase Resolution
of the Human Y-Chromosomal Haplogroup Tree. Genome Research, v. 18, n. 5, p.
830-838, 2008.
(11) ROHDE,
D.L.T., OLSON, S., CHANG, J.T. Modelling the recent common ancestry of all
living humans. Nature, v. 431, p. 562-566, 2004.
por Renato Araújo Torres de Melo Moul
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