A partir da ideia do “Merthiolate” estabeleci uma forma de pensar na qual, quando situações surgissem para me importunar, eu ligaria o sinal de alerta e esperaria passar. Poderia até ser um pensamento de decepção e mágoa: bastava eu observar que em determinado momento encerrava e eu dizia: “Passooouu”. O alívio soava como uma constatação. Mais do que isso, era um antisséptico que limpava a minha mente, colocando-me “presente” onde aquele acontecimento ou aquela memória não existia mais.
Eu passei aos meus filhos essa mesma experiência quando se acidentavam, ou quando limpava um ferimento com um antisséptico. Imediatamente eu os tranquilizava e dizia: “Passooouu”. Mas houve um dia que a minha filha precisou ser internada devido a uma complicação viral e, naquele momento, ela era uma criança de três anos quando a levamos na emergência de um hospital, onde foi receitado um soro injetável.
A aplicação deste soro foi uma experiência horrível, a enfermeira enfiava a agulha em seu braço na tentativa de encontrar a veia, enquanto ela chorava alto de dor. De repente, com os olhinhos cheios de lágrimas, ela grita: “Passooouu!”. Comecei a chorar com ela, a enfermeira começou a ficar nervosa e, após o grito, não se achou imediatamente a veia e a profissional foi para o outro braço, mas minha filha continuava a dizer repetidamente “Passoooouu!”, reafirmando que a sua esperança estava acesa e acreditava que toda aquela dor horrível iria passar. E realmente passou. Na segunda tentativa, finalmente a agulha acertou a veia, para alívio de todos nós. O “passou” deixou de ser apenas um grito de vitória, mas se tornou também um remédio que provocava fé, para acreditar que a dor iria passar.
Somos treinados para responder “Quando isso começou?”. Agora quando é para dizer quando terminou, normalmente dizemos que não sabemos. Já assisti vídeos engraçados nos quais uma pessoa que manifesta pavor de injeção grita de dor, com o gelado do álcool no algodão, depois aumentam o desespero dos seus berros, quando a agulha é colocada e, por fim, a pessoa continua a gritar mesmo depois que a agulha foi tirada do seu músculo. Elas são capazes até de antecipar a dor, mas não seu fim. Se você for perguntar para essas pessoas sobre a experiência, elas vão dizer que até hoje o local ainda dói. Elas não perceberam quando a dor acabou.
No maior sermão de todos os tempos, proferido pelo próprio Cristo, Ele fala acerca da ansiedade e preocupação, lembra que “as aves do céu” recebem sustento do Pai Celestial. Lembra que Deus veste as ervas do campo, que hoje existem e amanhã são lançadas no forno. Jesus se referia aos pardais, que vivem em média 3 anos e aos lírios do campo, que em um arranjo duram 15 dias. Tal tempo é bastante curto, se compararmos a longevidade humana. Mesmo assim, eles são alvo do cuidado divino. Isso leva Jesus a nos ensinar: “Não fiquem preocupados com o dia de amanhã, Deus cuidará do dia de amanhã para vocês também”. Então, os santos lábios de Jesus proferem uma sentença simples, mas poderosa: “Basta ao dia o seu próprio mal”.
Conduzimos as nossas vidas sem saber distinguir o hoje do amanhã. Parece que o sol nunca nasce, colocando fim a uma noite escura e fria. Parece que o sol nunca se põe, colocando fim a um dia quente e turbulento. Não percebemos o fim de nada, não estabelecemos fim para nada, mas vivemos todos os dias de uma única vez.
Não percebemos o sol “cansado” procurando o horizonte para se deitar; não percebemos o seu levantar, semelhante a um “guerreiro valente e destemido” expulsando toda a escuridão. Para nossa alma, o astro jamais cansa e nunca se levanta. Não conseguimos dizer “passssooouu” para o dia ou para a noite que chega ao fim.
Não é muito complexo ou irracional pensar que determinado dia não terá fim? A maioria de nós acredita que apenas os anos têm fim, por causa disso celebramos o término de um ano e o início de outro, fazendo resoluções e promessas. Agora, experimente fazer um novo ano para você, estabelecendo um fim para um ano de preocupações e remorsos. Daqui a pouco o sol vai nascer lhe trazendo um novo dia, o dia do seu “ano novo”, no qual você vai viver um dia de cada vez.
“Viver um dia de cada vez” é uma maneira simples de pensar que Jesus nos ensinou, mas que nunca aprendemos. Queremos possuir o pão dos próximos meses hoje; ou pior, estamos comendo o pão duro da semana passada, apesar de orarmos o “Pai Nosso” todos os dias, dizendo: “Dá-nos hoje o pão para este dia”.
Já enfrentei noites muito escuras em minha cama, uma agonia da alma que não deixava meus pensamentos pararem. Cada mexida do meu corpo na cama de um lado para o outro representava os sussurros do meu espírito aflito. Minha mente perturbada buscava a todo custo uma solução, mas eu só encontrava mais tristeza e solidão. Então meu corpo cansado não resistiu ao sono, que eu ganhei de presente do Criador. Acordava enxuto das minhas lágrimas, não sabia explicar por que minha cama estava tão amarrotada, minha mente calma agradecia o dia, pássaros cantavam dizendo que eu não estava só, então me levantava revigorado, entendendo que a noite havia chegado ao fim. Passsooouu! Era o novo sussurro do meu espírito pacificado dando a entender que o sol havia expelido todos os “fantasmas” que me assolaram na cama da noite. Porque a cama do dia eu já até havia arrumado e não parecia mais em nada com a cama da minha aflição. Então a alma cantava uma verdade que jamais esquecerei: “O choro pode durar uma noite, mas alegria vem pela manhã”.
Por, Joazi Gomes dos Passos.
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