O segundo concílio geral da Igreja afirmou a divindade do Senhor Jesus
De 20 de maio a 25 de julho do ano 325, ocorreu o segundo concílio geral da história da Igreja, o primeiro depois do Concílio de Jerusalém, ocorrido no ano 50 e registrado em Atos 15. Esse segundo conclave, um dos mais importantes da história do Cristianismo, foi convocado pelo imperador romano Constantino, o primeiro imperador romano declaradamente cristão da História, e a pedido de líderes da Igreja na época com o objetivo de tratar sobre várias questões importantes, dentre elas e sobretudo o combate à heresia do arianismo, que pregava que Jesus não era Deus, mas um ser criado que era apenas superior às demais criaturas. Este concílio, que completa 1700 anos neste ano – sendo celebrado por protestantes, católicos romanos e ortodoxos orientais em todo o mundo –, afirmou as doutrinas da Trindade e da divindade do Senhor Jesus, e produziu um credo que é aceito hoje por todos os ramos do Cristianismo, exceto seitas como as Testemunhas de Jeová e os Mórmons.
O Concílio de Niceia, também chamado de Primeiro Concílio Ecumênico
do Cristianismo, reuniu mais de 250 bispos – fala-se de até 318 – de todas as
regiões do Império Romano. Todos eles vieram acompanhados de presbíteros e
diáconos de suas igrejas, de maneira que estima-se que o número total de obreiros
cristãos que vieram a Niceia tenha sido de seja de 1,2 mil a 1,9 mil. Embora
não tenha sido essa a primeira vez que o imperador romano Constantino convocou
bispos cristãos para tratar de problemas enfrentados pela Igreja, esse encontro
foi o mais representativo de todos desse tipo e teve um impacto imediato e
duradouro na vida da Igreja, com reflexos até os dias de hoje.
O local escolhido para o conclave era, originalmente, a cidade
de Ancira – hoje capital da Turquia –, mas o imperador resolver transferir o
evento para o palácio imperial na cidade de Niceia, na província romana da Bitínia,
que é hoje a cidade turca de Iznik, localizada no noroeste da Ásia Menor, a
cerca de 145 quilômetros a sudoeste de Istambul. Constantino aproveitou o
evento para celebrar os 20 anos de seu reinado com a presença desses líderes
cristãos de todo o império. A festa foi realizada em 25 de julho, após o fim do
conclave. Entretanto, alguns historiadores pontuam que deve ter havido ainda
algumas sessões após a festa, com o Concílio tendo terminado provavelmente em
25 de agosto e não em 25 de julho.
As reuniões do conclave aconteceram, conforme registro do bispo
Eusébio de Cesareia, autor de História Eclesiástica (publicada pela CPAD) e que
esteve presente ao Concílio, em um salão retangular dentro do palácio, que
funcionava como a basílica da cidade – um prédio público para grandes reuniões
(Curiosidade histórica: posteriormente, como as grandes igrejas, após o fim das
perseguições romanas, passaram a ser construídas em formato de basílica, elas
passaram a ser chamadas também de basílicas).
Como a maioria dos imperadores romanos, Constantino desejava
calma e paz dentro do império. No entanto, ao contrário de todos os imperadores
anteriores, ele tinha também um interesse pessoal pela questão a ser tratada, devido
ao seu compromisso com o Cristianismo. Por mais que alguns historiadores
questionem a legitimidade de sua conversão, o que tem razão de ser, fato é que
a decisão de Constantino de apoiar uma reunião de bispos de todo o império para
tratar de questões doutrinárias importantes refletia a sua preocupação com a fé
cristã. Ele, inclusive, forneceu recursos para a viagem dos bispos a Niceia,
bem como hospedagem, alimentação e apoio durante o Concílio. Tudo foi pago pelo
tesouro imperial. A maioria dos bispos presentes no Concílio vieram da metade
oriental do Império Romano, principalmente da Ásia Menor. Porém, havia também muitos bispos
do Ocidente, com destaque para o bispo Ósio de Córdoba, na Espanha, que foi um
dos conselheiros de Constantino e o escolhido para presidir o conclave.
Conta-se que o imperador participou dos debates, mas não se considerava um
membro votante, já que não era bispo.
Segundo os poucos registros que chegaram até nós sobre os procedimentos
do conclave, o encontro começou com um discurso do imperador Constantino saudando
os bispos presentes, o qual foi proferido em latim e traduzido para o grego,
que era a língua da maioria dos bispos presentes. O Concílio foi realizado seguindo
os procedimentos do Senado romano, com o presidente tendo grande grau de
controle e os participantes falando em uma ordem com base na hierarquia.
Durante o longo conclave, que durou pouco mais de dois meses
(segundo alguns, três meses), foi elaborado o Credo Niceno, promulgado em 19 de
junho e que afirma as doutrina da Trindade e da divindade do Senhor Jesus; e foram
emitidos 20 cânones que tratavam de diversas questões práticas enfrentadas pela
Igreja (um deles, por exemplo, definiu um dia comum para a celebração da Páscoa
por todos os cristãos) e também uma carta dos bispos que participaram do
Concílio escrita especificamente para a igreja em Alexandria, no Egito, que foi
a primeira a enfrentar a heresia ariana, já que o herege Ário, que dá nome à
referida heresia, era um dos bispos daquela igreja. Tanto os bispos quanto o
imperador emitiram cartas relatando as decisões do Concílio a serem divulgadas
por todo o império.
O Credo Niceno foi redigido por um comitê designado pelo conclave,
com cada linha do texto final sendo debatida e aprovada pela assembleia. Em sua
resposta ao ensinamento de Ário de que Jesus não é divino da mesma forma que
Deus Pai é divino, o Concílio usou o termo grego homoousios para afirmar que o
Verbo – o Logos de João 1.1 – é “da mesma essência” que o Pai e, portanto,
divino assim como o Pai é divino. O Credo Niceno, que traz essa expressão, tornou-se
uma declaração de fé cristã para todos os ramos do Cristianismo. Seu texto
final afirma (em tradução livre):
“Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as
coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus,
gerado unigênito do Pai, isto é, da mesma essência do Pai; Deus de Deus, luz de
luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao
Pai e por quem foram feitas todas as coisas que estão no céu ou na terra; o
qual por nós, homens, e para nossa salvação desceu, se encarnou e se fez homem;
padeceu e ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus; Ele virá para julgar os
vivos e os mortos. E [cremos] no Espírito Santo. E quem quer que diga que houve
um tempo em que o Filho de Deus não existia, ou que antes que fosse gerado Ele
não existia, ou que Ele foi criado daquilo que não existia, ou que Ele é de uma
substância ou essência diferente (do Pai), ou que Ele é uma criatura, ou
sujeito à mudança ou transformação, todos os que falem assim, são
anatematizados pela Igreja Universal”.
No primeiro Concílio de Constantinopla, realizado em 381, o
texto do Credo Niceno foi aperfeiçoado, dando origem ao que ficou conhecido
como Credo Niceno-Constantinopolitano. Esses dois credos aparecem em forma de
apêndice na Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil, acompanhados do
Credo dos Apóstolos – mais antigo – e dos credos Atanasiano e de Calcedônia, que são
textos igualmente importantíssimos para a ortodoxia cristã.
Sobre a importância do Concílio de Niceia para a história da
Igreja, escreveu o célebre historiador protestante Philip Schaff: “Foi o evento
mais importante do século IV, e sua vitória intelectual sem derramamento de sangue
sobre um erro perigoso tem consequências muito maiores para o progresso da
verdadeira civilização do que todas as vitórias sangrentas de Constantino e seus sucessores”.
Nas palavras do teólogo e apologista protestante Joseph Boot, “o fato é que o
que cremos sobre Cristo impacta todas as esferas da vida e do pensamento. Tanto
os bispos em Niceia quanto o imperador demonstraram consciência de que o que
consideramos verdadeiro sobre Cristo tem ramificações além da esfera eclesiástica”.
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