Deus autorizou canibalismo e, para piorar, dos próprios filhos?

Deus autorizou canibalismo e, para piorar, dos próprios filhos?


Como entender Deuteronômio 28.53? “E comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas que te der o Senhor teu Deus, no cerco e no aperto com que os teus inimigos te apertarão”.

O canibalismo é uma prática existente desde a aurora da humanidade e consiste na morte e ingestão em parte ou em sua totalidade de carne e de órgãos vitais de seres humanos. Os motivos são diversos: sobrevivência, rituais religiosos, entre outros. O sexto mandamento do Decálogo: “não matarás” (Êxodo 20.13) condena o assassinato e isso fala por si só contra a antropofagia. O canibalismo presente no discurso de Moisés (Deuteronômio 28.53-57) diz respeito à advertência divina ao povo de Israel em relação às consequências de uma possível violação do concerto do Sinai. Não se trata, pois, de uma permissão.

O concerto do Sinai não era apenas a ratificação da promessa feita aos patriarcas, mas sua aprovação oficial. As duas partes envolvidas eram de um lado, o grande Deus Javé: “se diligentemente ouvirdes a minha voz” (Êxodo 19.5); e, de outro, Israel: “Tudo o que o SENHOR tem falado faremos” (Êxodo 19.8). O povo reafirma esse compromisso mais adiante (Êxodo 24.7). Se de um lado Deus abençoava o povo com segurança nacional, protegendo as suas fronteiras e dando-lhe abundância de víveres; por outro lado, os israelitas assumiam o compromisso de cumprir os preceitos do concerto conforme escrito no livro da lei.

Há uma lista das bênçãos para os que obedecessem a Deus, incluindo famílias grandes, terra fértil, economia próspera e a fuga dos inimigos como a água batendo na rocha (Deuteronômio 28.1-14). Na sequência, há uma lista das maldições, até o versículo ̄, se o povo violasse o concerto do Sinai. Nem as pessoas e nem as terras seriam férteis, seriam derrotados pelos inimigos. Portanto, os israelitas enfrentariam as consequências da desobediência, ao invés das bênçãos.

Era costume na antiguidade, nas guerras, sitiar as cidades como forma de estrangulamento econômico da sua população até o estoque de alimento se acabar. O resultado disso era fome, revelando uma das razões da prática do canibalismo. Esse tipo de maldição era uma possibilidade real, a única maneira de se proteger desse espetáculo do horror era a fidelidade ao conserto do Sinai. Por isso, Moisés advertiu a nação sobre tal desastre social. A proteção da cidade estava em Deus (Salmos 127.1). Assim, o canibalismo era uma situação imposta por seus inimigos, um castigo como resultado pela ruptura do concerto do Sinai. Não era uma permissão divina. O pronunciamento de Moisés era um aviso, uma advertência como exortação à fidelidade a Javé, seu Deus. Mas o povo não deu ouvido aos apelos solenes desses mensageiros de Deus e teve que experimentar essa experiência chocante na cidade de Samaria (2 Reis 6.28-30).

De igual modo, os profetas Jeremias e Ezequiel também advertiram o povo de Judá exortando a nação sobre a ameaça de tal maldição entre a população de Jerusalém. Esses mensageiros de Deus se expressaram de maneira direta: os moradores de Jerusalém teriam de comer seus próprios filhos e também a carne de outras pessoas para não morrerem de fome durante o assédio da Cidade (Jeremias 19.9; Ezequiel 5.10). Isso já havia ocorrido antes em Samaria, mas ninguém deu ouvido à voz de Javé. Assim, a profecia se cumpriu literalmente (Lamentações 4.10). Essa cena macabra se repetiu, segundo o historiador Josefo, na destruição de Jerusalém, no ano 70 d.C.

por Esequias Soares

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